Os inimigos do Livre Pensamento

Na contramão da história, três governos estaduais atacam o Livre Pensamento desde a infância. Preparam a produção de seres humanos sem senso crítico, supersticiosos e emburrecidos. O que desejam esses senhores?

por Maurício Moura

Li recentemente a notícia de que o Estado de São Paulo acaba de retirar da matriz curricular da educação fundamental todas as matérias que ajudem a criança a compreender o mundo e a construir seu senso crítico. Os alunos dos três primeiros anos não terão nenhuma aula de História, Geografia ou Ciências. Nenhuma! Terão apenas aulas de língua portuguesa, matemática e educação física.

O Governo Geraldo Alkmin, assim, vai na contramão do mundo inteiro, que tem trazido as disciplinas científicas já para o primeiro ano. O conhecimento da sua história, do seu espaço físico são base da construção do caráter da criança, do seu senso crítico, da sua capacidade de abstração, de argumentação, de raciocínio lógico… Mais ainda, a educação científica é importante inclusive para a compreensão da higiene pessoal!

Que tipo de cidadãos esse cara quer formar assim?

O que mais me assustou é que, ao pesquisar sobre o assunto, descobri que não é o ataque irresponsável e esquizofrênico de apenas um governador, mas uma política orquestrada de destruição das mentes dos brasileiros.

Em 2009, o então governador de Minas Gerais, Aécio Neves, passou a obrigar os estudantes do ensino médio a escolher o que vão estudar todo o resto do ensino médio. Se o estudante optar por humanas, não terá nenhuma aula de biologia, química ou física. Se optar por exatas ou biológicas, é proibido de cursar história, geografia ou língua estrangeira!!! Ora, se o mundo inteiro acha que a decisão da faculdade aos 17 anos já é difícil, quem dirá trazer essa decisão para os 14 anos?

Mais que isso: os vestibulandos oriundos da rede pública mineira não terão nenhum acesso a metade das matérias exigidas nos vestibulares. Como faz?

Ora, é um governo que deseja que o estudante da escola pública seja única e exclusivamente mão de obra burra e barata.

Ah, mas tem mais: o governador do Paraná, Beto Richa, também fez alterações na matriz curricular no mesmo sentido: diminuiu todas as aulas de história, geografia, ciências, inglês, artes e educação física do fundamental, aumentando apenas português e matemática. O objetivo é que o estudante não saiba nada de história, geografia, biologia, sociologia, filosofia… Mais um querendo criar robozinhos imbecilizados.

E esses governadores tem mais coisas em comum: todos os três apinharam as turmas. Sob justificativa de redução de custos, enfiaram 30, 50, 60 crianças dentro de cada sala de aula. Ora, como é possível dar atenção a um aluno dessa forma?

E o que acham os especialistas?

Dois especialistas (citados pela Gazeta do Povo) discordam veementemente dessa política destruidora de mentes:

A pesquisadora na área de educação, professora doutora da Universidade Federal do Paraná, Monica Ribeiro da Silva afirma que  a priorização de matemática e português em detrimento de outras matérias é equivocada e está na contramão das novas Diretrizes Curriculares Nacionais aprovadas recentemente. Continua: “Essas novas diretrizes propõem que se atribua novos sentidos à escola, por meio do reconhecimento da diversidade de interesses dos adolescentes, da escola como espaço de formação privilegiado que ultrapassa o treino na provas, pela integração entre campos disciplinares como forma de atribuir significados mais profundos ao que é ensinado”.

O doutor em educação e professor da Universidade Tuiuti, Joe Garcia, ao analisar a melhora do desempenho do brasileiro em matemática, afirma: “Não foi o aumento da carga horária que mudou esse quadro, foram as novas metodologias de ensino que foram introduzidas, como era feito no exterior”.

A psicopedagoga Neide Noffs, diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP, entende (em entrevista para a Folha de SP) que a decisão do governo Aécio Neves é um retrocesso: “Quando eu era estudante, era assim. Você fazia clássico, mais voltado para humanas, ou científico, para exatas. Isso não deu certo”. Ela entende que isso pode prejudicar o futuro profissional “porque as profissões têm caráter generalista. Você não pode ser uma coisa ou outra. Tem de ter um pouco de cada habilidade” e completa: “Essa mudança não é uma boa alternativa porque um dos problemas do ensino superior é o estudante entrar na universidade sem uma visão clara da profissão que escolheu. Se no primeiro ano do ensino superior a gente já identifica vários estudantes que apresentam problemas no aprendizado, imagina isso no segundo ano do ensino médio”.

Os sindicatos dos professores dos três estados criticam a proposta e têm se mobilizado contra essas medidas. Vários núcleos acadêmicos da área de educação de várias universidades já expressaram seu descontentamento com tal linha.

Por que isso é perigoso?

O pensamento crítico nasceu na Grécia há mais de 2500 anos e vem evoluindo lentamente nos últimos 300 anos, em especial no último século. Foi pensando criticamente que Maxwell criou as bases do eletromagnetismo. Foi o pensamento crítico que permitiu a invenção da lâmpada, dos computadores, dos motores a vapor e a combustão, do avião…

O que faz evoluir o mundo não é conhecer a teoria, é duvidar dela!

É mais do que isso: segundo o Ibope, 68% dos brasileiros sabem ler, mas são incapazes de compreender o que está escrito. Isso se deve à necessidade premente de criticar para poder compreender. O brasileiro cada vez é mais educado para ser uma simples máquina reprodutora do conhecimento de outros. Isso faz com que cada vez mais esses mesmos brasileiros sejam incapazes de criar conhecimento, o mínimo que seja. No mesmo sentido, a compreensão da matemática exige raciocínio abstrato, só conseguido com a capacidade crítica. Em outras palavras: ao ensinar apenas matemática e português, a única coisa que as escolas fazem é não ensinar absolutamente nada.

Mas o mais perigoso é que, sem capacidade crítica, não há cidadão. Não há pessoa capaz de mudar o mundo, de avançar, de criar. Teremos cada vez mais fanáticos, racistas, homofóbicos, misóginos e imbecilizados.

Sem capacidade crítica, as pessoas tenderão cada vez mais a aceitar sem questionar os dogmas criados pelos poderosos, tenderão a agir cada vez mais com violência e cada vez menos com razão. Isso é um risco para a liberdade de expressão, para a evolução tecnológica, para a laicidade do Estado, é um risco até para a liberdade religiosa. Mais do que tudo: é um risco para a existência da humanidade.

10 pensamentos sobre “Os inimigos do Livre Pensamento

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  2. Mesmo com o currículo com todas as matérias os alunos já saem imbecilizados da escola pública. O que deve ser feito é a introdução de matérias como cidadania e ética e a instrução em cursos técnicos profissionalizantes para os adolescentes, porque assim já sai da escola empregado e com o conhecimento técnico, além de aprender a ser um correto cidadão. Para operar uma máquina não se necessita do pensamento crítico.

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  3. Nada contra Humanas, mas nas escolas do Brasil elas só servem pra alienar mais ainda as pessoas. Dizem que ensinam a ter senso crítico, quando na verdade passam apenas ideologia de esquerda. Nunca ví ninguém compreender melhor o mundo só tendo essas aulinhas ridículas na escola. Se compreender melhor o mundo significa passar a concordar com toda ideologia progressista por ai, prefiro ser desinformado. Meus professores de humana só falam merda.

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    • Otávio.

      Atente ao que você fala: você acha que uma pessoa será menos capaz de atuar em sociedade, de compreender o mundo, se estudar a história desse mundo? Se estudar sua geografia, sua composição social e étnica? Percebe que sua formulação carece completamente de qualquer lógica? Que tal formulação não tem sequer contato com a realidade?

      Talvez sua crença de que “professores de humanas só falam merda” resida exatamente no fato de você desconhecer completamente o mundo que o rodeia. Não acha? Como você não conhece a realidade, o mundo, então é incapaz de compreender as discussões desenvolvidas por seus professores, claro.

      De repente, se você atentar mais à realidade, as coisas fiquem mais fáceis de serem compreendidas. O que acha?

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  5. Olá Maurício,
    Há uma falta de visão na política de sacrificar a educação liberal, ou seja a educação para a cultura, pois sem ela as pessoas não pensam bem e se tornam vulneráveis aos manipuladores sociais.

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  6. Eu acho a questão importante, mas o problema é que o modelo centrado no conteúdo destrói a formação. Não adianta ter aulas de filosofia se ela for feita para se memorizar características dos filósofos, sem conexão com a realidade.

    E aí temos um problema da instituição escola, quando ela realmente é feita para formar indivíduos com senso crítico? Geralmente ela é apenas um instrumento para manter o status quo, seja ele qual for.

    Nesse aspecto tivemos avanços tímidos como o foco em questões muldisciplinares, como têm sido abordado em certas provas. Mas ainda é preciso avançar muito. Por exemplo, eu acho que história da ciência é algo muito pouco abordado e facilitaria muito para o desenvolvimento do senso crítico. Seria muito mais fácil entender a evolução do pensamento humano se história e ciências fosse conectadas. Mas a questão é: isso interessa a quem?

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    • Concordo completamente contigo, Renato. A educação no Brasil demorou demais pra superar o positivismo, provavelmente por conta do período militar. Pra se ter uma ideia, os professores formados a partir da escola de Annales só chegaram há pouquíssimo tempo às salas de aula.

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    • Júnior, como já sugeri no seu outro comentário, tente ler o texto e não adivinhar o que está escrito. Todos os governos citados neste texto professam o liberalismo econômico e, assim, se colocam à DIREITA do espectro político.

      Preconceito e adivinhação, tão presentes em suas intervenções, não são capazes de construir conhecimento, só estupidez.

      Leia o e tente de novo. Sério. Fica até feio.

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