Richard Dawkins sobre o ateísmo militante

DawkinsContinuando a série sobre o Materialismo Militante (leia mais aqui e aqui), publico uma palestra do professor de Oxford, Richard Dawkins. Nesta palestra de fevereiro de 2002, Dawkins, conclama todos os ateus a expressarem publicamente sua posição e para que lutem pela laicidade no Estado e na ciência.

Essa música esplêndida, a música de entrada, “A Marcha do Elefante” de Aida, é a música que escolhi para o meu funeral e vocês podem ver por quê. É triunfante. Eu vou… Não vou sentir nada, mas se pudesse, me sentiria triunfante apenas por ter vivido, e por ter vivido neste planeta esplêndido, e por ter tido a oportunidade de entender algo sobre o porquê de estar aqui em primeiro lugar, em vez de não ter estado.

Vocês conseguem entender o meu estranho sotaque Inglês? Como qualquer pessoa, eu fiquei maravilhado ontem pela sessão sobre animais. Robert Full e Frans Lanting e outros – a beleza das coisas que eles mostraram. A única nota dissonante ocorreu quando Jeffrey Katzenberg falou do mustangue, “as criaturas mais esplêndidas que Deus pôs na terra.” Claro, nós sabemos que ele não quis realmente dizer isso, mas hoje neste país, todo o cuidado é pouco.

Eu sou um Biólogo, e o teorema central do nosso assunto, é a teoria do design, a teoria da evolução por seleção natural de Darwin. Em círculos profissionais em todo o mundo, é claro que ela é universalmente aceita. Em meios não-profissionais fora dos EUA, ela é largamente ignorada. Mas em círculos não profissionais dentro dos EUA, é fonte de tanta hostilidade é fonte de tanta hostilidade que é justo dizer que biólogos Americanos estão em estado de guerra. A guerra é tão preocupante no momento, com processos judiciais aparecendo em vários estados, que eu senti que tinha de falar algo sobre o assunto.

Se querem saber o que eu tenho a falar sobre Darwinismo em si, sinto dizer que vocês terão de ler meus livros, que não se encontram na livraria lá fora.  Processos judiciais contemporâneos geralmente dizem respeito à uma suposta nova versão de criacionismo chamada design inteligente ou DI. Não se enganem. Não há nada de novo no DI. É apenas criacionismo com outro nome. “Rebatizado” – escolho a palavra deliberadamente – por razões táticas e políticas.

Os argumentos dos chamados teóricos de DI são os mesmo velhos argumentos que foram refutados muitas vezes, desde os tempos de Darwin até hoje. Há um lobby evolucionista muito eficiente coordenando a luta pelo lado da ciência, e eu tento fazer tudo o que posso para ajudá-los. mas eles ficam muito aborrecidos quando pessoas como eu se atrevem a mencionar que somos ateus, além de evolucionistas. Eles acham que estamos indo longe demais, e vocês entendem por quê. Os criacionistas, uma vez que não possuem nenhum argumento científico coerente, apelam para a fobia popular contra ateus. “Ensine a evolução para as suas crianças na aula de biologia, e logo elas vão virar adeptas à drogas, apropriação indébita e perversão sexual”.

Na verdade, é claro, teólogos instruídos desde o Papa são firmes quanto ao seu suporte à evolução. Este livro, “Finding Darwin’s God,” (Encontrando o deus de Darwin), de Kenneth Miller, é um dos ataques mais eficientes ao Design Inteligente que conheço, e é ainda mais eficiente porque é escrito por um Cristão devoto. Pessoas como Kenneth Miller poderiam ser chamados de “dádivas de deus” ao lobby evolucionista porque eles expõe a mentira de que evolução é, na verdade, equivalente ao ateísmo. Pessoas como eu, por outro lado, vão longe demais.

Mas aqui, gostaria de dizer algo bom sobre criacionistas. Não é algo que faço com frequência, então prestem atenção. Acho que eles estão certos sobre uma coisa. Acho que estão certos de que a evolução é fundamentalmente hostil à religião.

Eu já disse que muitos indivíduos evolucionistas, como o Papa, também são religiosos, mas eu acho que eles estão se iludindo. Acredito que um verdadeiro entendimento sobre Darwinismo é profundamente corrosivo à fé religiosa. Então, pode parecer que estou pregando o ateísmo, e que assegurá-los de que isto não é o que irei fazer. Em uma plateia tão sofisticada quanto esta, seria como “ensinar o padre a rezar a missa”.

Não, o que eu quero é pregar a vocês ao invés quero pregar a vocês o ateísmo militante. Mas colocar desta forma é muito negativista. Se eu quisesse… se eu fosse uma pessoas interessada em preservar a fé religiosa, eu teria muito medo do poder positivo da ciência da evolução, e qualquer ciência em geral, mas da evolução em particular, de inspirar e encantar, precisamente por ser ateísta.

O problema difícil para qualquer teoria do design biológico é explicar a massiva improbabilidade estatística das coisas vivas. Improbabilidade estatística na direção de um bom design – complexidade é outra palavra para isto. O argumento criacionista padrão – existe apenas um, todos se resumem a este – parte de uma improbabilidade estatística: criaturas vivas são muito complexas para terem surgido por acaso, portante devem ter tido um criador. Este argumento é claro, é um ‘tiro no pé’. Qualquer criador capaz de criar algo realmente complexo tem de ser ainda mais complexo, e isto sem falar sobre as outras coisas que esperamos que ele faça, como perdoar pecados, abençoar casamentos, ouvir preces, favorecer o nosso lado na guerra, recriminar a nossa vida sexual e assim por diante.

A complexidade é o problema que qualquer teoria na biologia tem que resolver, e não se pode resolvê-lo através de um agente que é ainda mais complexo, o que apenas aumenta o problema. A seleção natural de Darwin é tão incrivelmente elegante porque ela resolve o problema de explicar a complexidade em termos de nada além da simplicidade. Essencialmente, explica ao fornecer uma rampa suave de incrementos graduais, passo a passo. Mas aqui, eu quero comentar, que a elegância do Darwinismo é corrosiva à religião precisamente porque ele é tão elegante, tão parcimonioso, tão poderoso, tão economicamente poderoso. Tem a vigorosa economia de uma bela ponte pênsil.

A teoria de deus não é apenas uma teoria ruim. Na verdade, em princípio, é incapaz de resolver o problema que deveria.

Então, voltando à tática e ao lobby evolucionista, quero argumentar que ir longe demais pode ser a coisa certa a fazer. Minha abordagem ao atacar o criacionismo é diferente da do lobby evolucionista. Minha abordagem ao atacar o criacionismo é atacar a religião como um todo. Agora eu preciso comentar o incrível tabu contra falar mal de religião. Farei isto com as palavras do falecido Douglas Adams, um querido amigo que, se nunca veio ao TED, certamente deveria ter sido convidado.

Richard Saul Wurman: Ele foi.

Dawkins: Ele foi, que bom. Eu achei que sim.

Ele começa o seu discurso, que foi gravado em Cambridge um pouco antes de sua morte, começa explicando como a ciência funciona através do teste de hipóteses que são formuladas para serem vulneráveis à refutação, e então continua, “Religião não parece funcionar desta maneira. Ela possui certas ideias no seu centro, que são chamadas sagradas ou divinas. O que significa é: aqui está uma ideia ou uma noção sobre a qual você não pode falar mal. Simplesmente não pode. Por que não? Porque não pode. Por que é que é perfeitamente legítimo apoiar Republicanos ou Democratas, um modelo de economia e não outro, Macintosh ao invés do Windows, mas ter uma opinião sobre como o universo começou, sobre quem criou o universo? Não, isto é sagrado. Então estamos acostumados a não desafiar as ideias religiosas e é muito interessante o furor que Richard cria quando ele as desafia.” Ele se referiu à mim, não à ele.

“Todos ficam absolutamente frenéticos, porque você não tem a permissão para falar estas coisas, ainda assim, quando se olha para isto racionalmente não há razão para estas ideias não serem abertas ao debate tanto quanto qualquer outra, exceto porque concordamos que não deveriam.” E este é o fim da citação de Douglas.

Na minha opinião, não apenas a ciência é corrosiva à religião, religião é corrosiva à ciência. Ela ensina as pessoas a se satisfazerem com explicações falsas, triviais e sobrenaturais que cegam-nas às maravilhosas explicações reais que possuímos ao nosso alcance. Ela as ensina a aceitar a autoridade, revelação e fé, ao invés de sempre insistir na evidência.

Aí está Douglas Adams, magnífica foto do seu livro, “Last Chance to See.” Então, aqui está uma típica revista científica, a “Quarterly Review of Biology.” E eu vou montar, como um editor convidado, uma edição especial na pergunta, “Um asteroide matou os dinossauros?”. O primeiro artigo é um artigo científico padrão apresentando evidências, “Camada de irídio na fronteira K-T, da cratera de Yucatán datada com Potássio – Árgon, indica que um asteroide matou os dinossauros.” Artigo científico perfeitamente normal. Agora, o próximo, “O presidente da ‘Royal Society’ foi iluminado pela graça de uma forte convicção Interior de que um asteroide matou os dinossauros. Foi secretamente revelado ao professor Huxtane que um asteroide matou os dinossauros. O professor Hordley foi educado para ter uma fé total e inquestionável de que um asteroide matou os dinossauros. O Professor Hawkins promulgou um dogma oficial comprometendo todos os Hawkinsianos leais que um asteroide matou os dinossauros.” Isto é inconcebível, é claro.

Mas suponham [Seguidores da teoria do asteroide não são cidadãos patrióticos.] em 1987, um repórter perguntou a George Bush (pai) se ele reconhecia a mesma cidadania e patriotismo aos americanos que são ateus. A resposta do Sr. Bush foi vergonhosa. “Não, eu não acho que os ateus devam ser considerados cidadãos, nem deveriam eles serem considerados patriotas. Esta é uma nação sob Deus.”

A intolerância de Bush não foi um erro isolado, cometido no calor do momento, a depois desculpado. Ele manteve a posição frente a repetidos pedidos de clarificação e retração. Ele realmente quis dizer aquilo. Mais relevante, ele sabia que o comentário não imporia nenhuma ameaça a sua reeleição, pelo contrário. Democratas e Republicanos ostentam suas religiosidades se querem ser eleitos. Ambos os partidos invocam uma nação sob deus. O que Thomas Jefferson teria dito? A propósito, normalmente não tenho muito orgulho de ser Britânico, mas não é possível evitar a comparação.

Na prática, o que é um ateu? Um ateu é alguém que pensa de Jeová o mesmo que qualquer cristão decente pensa sobre Thor ou Baal ou o bezerro de ouro. Como foi dito antes, somos todos ateus sobre a maioria dos deuses que a humanidade já acreditou. Alguns de nós vão um deus além.

E seja como for que definimos ateísmo, é certamente um tipo de crença acadêmica que uma pessoa tem o direito de ter sem ser desprezado como pouco patriota, inelegível não-cidadão. Ainda assim, é um fato inegável que admitir que é ateu é equivalente a introduzir-se como Sr. Hitler ou Sra. Belzebu. E tudo isto vem da percepção de que ateus são um tipo de estranha e excluída minoria.

Natalie Angier escreveu um artigo triste no New Yorker, dizendo como ela se sentia sozinha como atéia. Ela certamente se sente parte de uma minoria sitiada, mas na verdade, como os ateus dos EUA se saem numericamente? A última pesquisa trás resultados surpreendentemente encorajadores. Cristianismo, é claro, toma a grande maior parte da população, com quase 160 milhões. Mas qual você pensaria é o segundo maior grupo, convincentemente superando Judeus com 2,8 milhões, Muçulmanos com 1,1 milhão, e Hindus, Budistas e todas as outras religiões juntas? O segundo maior grupo, com quase 30 milhões, é o descrito como não-religioso ou secular.

É impossível não se perguntar por que os políticos são tão proverbialmente intimidados pelo poder do, por exemplo, lobby judeu – o estado de Israel parece dever a sua própria existência ao voto judeu norte-americano – enquanto que ao mesmo tempo condenam os não religiosos ao desamparo político. Estes votos seculares não-religiosos, se devidamente mobilizados, são nove vezes mais numeroso que os votos judeus. Por que esta minoria muito mais significativa não se movimenta para exercitar a sua musculatura política?

Bom, chega de quantidade. E quanto a qualidade? Existe alguma correlação, positiva ou negativa, entre inteligência e tendências religiosas?

A pesquisa que eu citei, que é a pesquisa ARIS, não separou os seus dados por classes socio-econômicas ou educação, QI ou qualquer outra coisa. Mas um artigo recente por Paul G. Bell na revista Mensa fornece algumas dicas. A Mensa, como vocês sabem, é uma organização internacional para pessoas com QI muito alto. E a partir da metanálise da literatura, Bell conclui que, eu cito, “Dos 43 estudos feitos desde 1927 sobre a relação de crença religiosa e inteligência ou nível educacional, todos menos quatro encontraram uma relação inversa. Ou seja, quanto maior a inteligência ou nível educacional do indivíduo, menor a chance dele ser religioso.” Bem, eu não vi os 42 estudos originais e não posso comentar na Metanálise mas gostaria de ver mais estudos feitos nessa linha. E sei que existem – se me permitem comentar – existem pessoas na plateia capazes de financiar uma pesquisa massiva para resolver a questão, e coloco a sugestão, pelo que vale.

Permitam-me agora mostrar uns dados que foram devidamente publicados e analisados em um grupo especial, os cientistas de ponta. Em 1998, Larson e Witham questionaram a nata dos cientistas norte-americanos, aqueles que foram honrados democraticamente à Academia Nacional de Ciências. Entre este grupo seleto, crença em um deus pessoal despencou para sete por cento. Uns vinte por cento são agnósticos, e o resto pode ser chamado ateu. Números semelhantes são encontrados para a crença na imortalidade. Entre cientistas biólogos, os números são ainda menores, somente 5,5% acredita em deus. Para cientistas físicos é 7,5%. Não vi números correspondentes para a elite acadêmica de outras áreas, como história ou filosofia, mas eu ficaria surpreso se elas fossem diferentes.

Então, chegamos em uma situação realmente incrível, uma discrepância grotesca entre a elite intelectual norte-americana e o eleitorado americano. Uma opinião filosófica sobre a natureza do universo, que é mantida pela grande maioria dos melhores cientistas americanos e provavelmente a maioria intelectual em geral, é tão abominável para o eleitorado americano que nenhum candidato a eleições populares se atreve a afirmar em público. Se estou certo, isto significa que os altos cargos políticos do maior país do mundo são barrados para as pessoas melhor qualificadas, a elite intelectual. A menos que elas estejam dispostas a mentir sobre suas crenças. Colocando de forma direta, as oportunidades políticas americanas são pesadamente contrárias àqueles que são simultaneamente inteligentes e honestos.

Eu não sou cidadão deste país, então espero que eu não seja inconveniente se sugerir que alguma atitude deva ser tomada. E já dei a dica do que isto deveria ser. Do que vi sobre o TED, acho que este é o lugar ideal para lançar isto. Novamente, temo que irá custar dinheiro. Precisamos de uma campanha de ‘saída do armário’ e elevação de consciência para ateus americanos. Esta poderia ser semelhante à campanha organizada por homossexuais alguns anos atrás. Mas que deus nos proíba de forçar a exposição pública de pessoas contra a sua vontade. Na maior parte dos casos, as pessoas que se expõe irão ajudar a destruir o mito de que existe algo de errado com os ateus.

Pelo contrário, irão demonstrar que os ateus são muitas vezes as pessoas que serviriam de bons modelos para seus filhos. O tipo de pessoa que um publicitário usaria para recomendar seu produto. O tipo de pessoa que está sentada aqui nesta sala. Irá ocorrer um efeito em cascata, um resultado positivo, de tal forma que quanto mais nomes tivermos, mais conseguiremos. Poderão existir não-linearidades, efeitos de limiar. Quando um número crítico for conseguido, ocorrerá uma aceleração abrupta no recrutamento. E novamente, será preciso dinheiro.

Eu suspeito que a palavra “ateu” em si contém ou se mantém como um obstáculo com proporções muito maiores do que realmente significa, um obstáculo para pessoas que de outra forma se exporiam com felicidade. Então, que outras palavras poderiam ser usadas para facilitar o caminho, lubrificar as rodas, adoçar a pílula? O próprio Darwin preferia agnóstico – e não somente por lealdade a seu amigo Huxley, que inventou o termo.

Darwin disse, “Eu nunca fui um ateu no sentido de negar a existência de deus. Acho que de forma geral um agnóstico seria a descrição mais correta para meu estado de espírito.”

Ele chegou a se irritar com Edward Aveling. Aveling era um ateu militante que falhou em persuadir Darwin a aceitar a dedicatória do seu livro sobre ateísmo – incidentalmente, dando origem a um mito fascinante que Karl Marx tentou dedicar “O Capital” à Darwin, o que ele não fez. Na verdade foi Edward Aveling. O que aconteceu foi que a amante de Aveling era a filha de Marx, e quando ambos Darwin e Marx tinham morrido, os artigos de Marx se misturaram com os de Aveling e uma carta de Darwin dizendo, “Senhor, muito obrigado, mas eu não quero que o senhor dedique seu livro para mim,” foi erroneamente endereçada para Marx, e isto deu origem a todo este mito, que vocês provavelmente ouviram. É um tipo de mito urbano, que Marx tentou dedicar O Capital para Darwin.

De qualquer forma, foi Aveling, e quando eles se encontraram, Darwin desafiou Aveling, “Por que vocês se auto denominam ateus?” “Agnóstico,” respondeu Aveling, “é simplesmente ateu respeitável, e ateu é simplesmente agnóstico agressivo.” Darwin reclamou, “Mas por que ser tão agressivo?” Darwin pensou que ateísmo poderia ser bom para a elite intelectual, mas que pessoas normais não estariam, eu cito, “preparadas para o termo”. Que é, é claro, o nosso velho amigo, o argumento do “não vá longe demais”. Não há registro de se Aveling disse à Darwin para que fosse mais humilde.

De qualquer forma, isto foi a mais de 100 anos atrás. É de se esperar que nós teríamos amadurecido desde lá. Um amigo inteligente, outrora judeu, que incidentalmente respeita o Sabá por razões de solidariedade cultural, se descreve como um “fada-madrinha-agnóstico.” Ele não se diz ateu porque é, em princípio, impossível provar uma negação, mas agnóstico pode sugerir que a existência de deus possui a mesma probabilidade que a inexistência de deus.

Então, meu amigo é estritamente agnóstico sobre a fada madrinha, mas sua existência não é muito provável, é? Assim como deus. Daí a frase, “fada-madrinha-agnóstico.” Mas Bertrand Russel fez o mesmo comentário usando um bule de chá hipotético orbitando Marte. Você deveria ser estritamente agnóstico sobre a existência de um bule orbitando Marte, mas isto não significa que você considera a probabilidade de sua existência igual a probabilidade de sua inexistência.

A lista de coisas sobre as quais nós deveríamos ser estritamente agnósticos não pára em fadas madrinhas e em chaleiras. É infinita. Se você quiser acreditar em algum deles em particular, unicórnios, fadas madrinhas, bules de chá ou Jeová, o ônus está em você para dizer o porquê. O ônus não está no resto de nós para dizer porque não. Nós, que somos ateus, também somos ‘a-fadas’ e ‘a-bules.’

Mas não nos preocupamos em afirmar isto, e é por isto que meu amigo usa fada-madrinha-agnóstico como um rótulo para o que a maior parte das pessoas chamaria de ateu. Ainda assim, se quisermos atrair ateus a se expressarem publicamente, teremos de encontrar algo melhor para colocar na nossa bandeira do que fada madrinha ou bule agnóstico.

Então, que tal humanista? Este termo possui a vantagem de uma rede mundial de associações bem organizadas e jornais e outras coisas já no lugar. Meu único problema com humanista é o aparente antropocentrismo. Uma das coisas que aprendemos com Darwin foi que a espécie humana é apenas mais uma entre milhões de primos, alguns próximos, alguns distantes.

E existem outras possibilidades como naturalistas. Mas isto também gera confusão, porque Darwin teria pensado que naturalista – naturalista significa, é claro, o oposto de supernaturalista, e é usado às vezes – Darwin ficaria confuso pelo outro sentido de naturalista, que ele era, é claro, e eu suponho existam outros que confundiriam com nudismo. Estas pessoas devem pertencer ao bando britânico de linchamento que ano passado atacou um pediatra ao confundi-lo por pedófilo.

Acho que a melhor alternativa para ateus é simplesmente não-teístas. Evita a forte conotação que definitivamente não existe um deus, e poderia facilmente ser adotado por bule ou fadas agnósticos. É completamente compatível com o deus dos físicos. Quando pessoas como – quando ateus como Stephen Hawking e Albert Einstein usam a palavra “deus,” eles usam, é claro, como uma metáfora para aquela profunda, misteriosa parte da física que ainda não entendemos. Não-teístas serviria para tudo isto, ainda assim, ao contrário de ateístas, não possui as mesmas reações fóbicas e histéricas. Mas eu acho, na verdade, a solução é se agarrar na palavra ateísta mesmo, precisamente por ser um tabu que carrega a excitação da fobia histérica. A grande massa pode ser mais difícil de atingir com a palavra ateísta do que com a palavra não-teísta, ou alguma outra palavra não confrontativa. Mas se conseguíssemos alcançar a massa com esta palavra, ateísta, o impacto político seria ainda maior.

Então, eu disse que se fosse religioso, teria muito medo da evolução. Iria além. Eu temeria a ciência em geral se propriamente entendida. E isto é porque a visão científica do mundo é tão mais excitante, mais poética, mais cheia de puro esplendor do que qualquer coisa no pobre arsenal da imaginação religiosa. Como Carl Sagan, outro herói recentemente falecido, colocou, “Como é possível que quase nenhuma grande religião olhou para a ciência e concluiu, ‘Isto é melhor do que nós pensamos!’ ‘O Universo é tão maior do que o nosso profeta falou, mais grandioso, mais sutil, mais elegante.’? Ao invés eles dizem, ‘Não, não, não! Meu deus é um deus pequeno, e eu quero que ele continue assim.’ Uma religião, velha ou nova, que enfatiza o esplendor do universo, como é revelado pela ciência moderna, poderia atrair estoques de reverência e admiração sequer tocados pelas fés convencionais.”

Agora, esta é uma plateia de elite, portanto espero que dez por cento de vocês sejam religiosos. Muitos de vocês provavelmente concordam com a nossa educada crença cultural de que devemos respeitar a religião. Mas eu também suspeito que um grande número secretamente despreza a religião tanto quanto eu. Se você é um deles, e é claro que muitos de vocês podem não ser, mas se você é um deles, estou lhes pedindo para pararem de ser educados. Venham a tona e se expressem, e se você for rico, pense em formas as quais poderia fazer uma diferença. O lobby religioso neste país é massivamente financiado por fundações – sem mencionar as isenções de impostos – por fundações como a Templeton Foundation e o Instituto Discovery. Precisamos de uma anti-Templeton para andarmos para frente. Se meus livros vendessem tão bem quanto os de Stephen Hawkings, ao invés de apenas tão bem quanto os de Richard Dawkins, eu mesmo faria isto.

As pessoas estão se perguntando, “Como o 11 de Setembro mudou você?” Bem, aqui está como ele me mudou: Vamos parar de ser tão detestavelmente respeitosos.

Muito obrigado.

6 pensamentos sobre “Richard Dawkins sobre o ateísmo militante

  1. Meu amigo, eu sou teísta e não tenho nada contra os ateístas. Seja um bom e sincero ateu. É melhor que ser um mau religioso. Na minha religião pessoal, a sinceridade é sempre bem recebida por Deus. Para mim a Ciência só faz melhorar e elucidar mais a religião. No discurso acima me repugna não o ateísmo, mas a generalização, o simplismo, o preconceito com que o palestrante trata os religiosos, além de sua infundada soberba. Repete o comportamento que critica. A auto-crítica é sempre melhor que a crítica. Além de aparentemente tentar absolutizar o conhecimento científico. Julgo que muito disso é para surtir efeito retórico, o que indica que o conteúdo por si só não se sustenta suficientemente bem. Realmente é lamentável o comportamento da maioria dos religiosos, tanto quanto o é o da maioria dos homens. Mas esse homem acima, Dawkins, não contribui muito a evolução do conhecimento, do discurso, pois sua atitude não está eivada de suficiente abertura. É um fundamentalista limitado da Ciência.

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    • Olá, Interliquia.

      Obrigado por se interessar pelo Livre Pensamento. Pena que não tenha conseguido correlacionar este vídeo com o resto do site.

      Talvez você não conheça muito sobre Dawkins, mas o ateísmo militante (ou materialismo militante) não tem nada a ver com deuses. Tem a ver com utilizar os fatos, se basear na realidade para explicar o mundo.

      Ninguém o impede de acreditar em duendes ou unicórnios, mas tentar explicar o mundo a partir deles não me parece muito realista. O que acha?

      Isso não tem nada a ver com religião. Leia meu outro artigo A religiosidade e o Livre Pensamento são contraditórios?. Atente especialmente à postura do frade Guilherme de Ockham, defensor do materialismo como método de análise científica.

      Leia um pouco sobre Dawkins na Wikipédia.

      Dawkins é etólogo (estuda o comportamento animal) e biólogo. Professor da Universidade de Oxford. É um cientista publicado e conceituado. Longe de mim utilizar de argumento de autoridade, mas afirmar que ele não contribui com a evolução do conhecimento não condiz com a realidade.

      Por fim, a crença de que a ciência é um limitante é igual a crença que o volante é um limitante, ou o sinto de segurança. O limite da ciência é a verdade, a realidade, os fatos. Duendes e fantasmas não fazem parte da ciência porque não residem na realidade. Se alguma evidência real vier a trazer os unicórnios e os duendes para o limite da realidade, então eles farão parte da ciência. É simples.

      A ciência não pode ser um limitante por princípio, já que ela já pressupõe que pode estar errada e que provavelmente precise ser alterada. Ao contrário disso estão os dogmas, que não admitem contestação, não comportam o contraditório. É por isso que a religião não pode ser usada para explicar o mundo.

      É contra o obscurantismo trazido pelos dogmas que lutam os livres pensadores desde o Iluminismo até os nossos dias.

      Continue a acompanhar o Livre Pensamento.

      Uma braço.

      “O maior inimigo do conhecimento não é a ignorância, mas sim a ilusão da verdade” – Stephen William Hawking

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      • Olá, Porantim! Obrigado pela resposta. Eu concordo em tudo o que você falou sobre a Ciência. Também sou contrário a dogmas incontestáveis. O papel da religião é aprimorar, melhorar o homem e não limitá-lo como fazem os dogmas. A crença ou a não crença, o caminho que cada um trilha, é algo muito pessoal. Só não gostei especificamente da postura pessoal de Dawkins no vídeo. Pareceu-me meio preconceituosa. De qualquer modo, gostei muito do seu blog. Qualquer assunto é bom desde que tratado com tanta seriedade e isenção quanto possível. Estou seguindo. Vez ou outra devo comentar. Vou ler os artigos que me sugeriu. Um abraço.

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