Justiça Federal do Rio declara que não existe intolerância religiosa se o alvo forem religiões de origem africana

Em decisão absurda, o juiz da 17ª Vara Federal (Rio de Janeiro), Eugênio Rosa de Araújo, afirma que cultos afro-brasileiros não constituem religião e, portanto, atacá-los e incentivar o ódio a eles não constitui intolerância religiosa.

O juízo da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro acaba de dar uma demonstração de que sua capacidade de “burlar” a lei não conhece limites. Ao julgar um pedido do Ministério Público Federal para que o Google retirasse do Youtube vídeos que propagandeiam e incentivam a intolerância religiosa contra religiões de origem africana (associando essas religiões à figura do “diabo” e de “demônios”), o juiz Eugênio Rosa de Araújo simplesmente afirma que não há “malferimento de um sistema de fé” ao atacar cultos de origem africana, já que “cultos afro-brasileiros não constituem religião” pois não conteriam “traços necessários de uma religião” Segundo a decisão, esses “traços” seriam um texto base (corão, bíblia etc..), estrutura hierárquica e um Deus a ser venerado.

Não me arrisco a adivinhar em que o tal juiz se baseia para fazer tal afirmação, mas com certeza não é na lei. A lei não faz distinção e não estabelece regras para a existência de religiões. Mais do que isso, a Constituição, em seu artigo 5º, afirma:é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Perceba que a Magna Carta, não garante somente o direito às “religiões”, ela se refere à liberdade de consciência, crença e culto.

Agora, levando-se em conta os pré-requisitos para considerar uma crença como uma religião, teríamos que afirmar que a arrasadora maioria das religiões do mundo não são, de fato, uma religião! Todas as religiões pré-históricas e a arrasadora maioria das religiões da antiguidade estariam fora dessa lista. Todas as religiões baseadas na oralidade e ancestralidade estariam fora dessa lista. Em outras palavras, todos os tipos de xamanismo, todas as religiões pré-colombianas, todas as religiões não-teístas (incluindo o budismo, taoísmo e confucionismo) e até as religiões abraâmicas primitivas!

Já seria um erro pretender discutir teologia em uma decisão judicial. Pior ainda quando a tal teologia é uma invenção sem base teórica nenhuma.

É um desrespeito crasso ao Estado Democrático de Direito, à liberdade religiosa e à laicidade do Estado.

O Ministério Público Federal, corretamente, entrou com recurso à segunda instância da Justiça Federal. O próprio texto do recurso lista o texto dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, além da própria lei. Segundo o MPF, a decisão da 17ª Vara Federal desrespeita:

  • Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP)
  • Declaração sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião ou nas convicções
  • Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos)
  • Lei 12.288, de 20 de julho de 2010

Em sua decisão, o juiz argumenta que os vídeos citados seriam exemplos de liberdade de opinião, reunião e religião, ou seja, não se poderia violar o direito dos autores dos vídeos de atacar as crenças africanas. Será?

Em um dos vídeos, o Bispo Macedo afirma que todos os males que acometem as pessoas estão relacionados à influência das religiões em que orixás, caboclos e guias se manifestam. Em outro, o mesmo bispo vincula o uso de drogas a um suposto ex-pai de santo que estaria possuído por uma “legião de demônios”. Em um terceiro, relaciona-se a “casa da umbanda” à servidão a demônios. Afirma-se também que os búzios são a “mentira do capeta”, que “macumbeiros” comeriam olhos humanos, que todos os vícios teriam ligações com entidades da umbanda, todos os babalorixás são demônios, Omolu é um demônio… Chaga ao absurdo de afirmar que a AIDS e o homossexualismo são manifestações de possessão pela Pomba Gira.

Os mais graves defendem que é preciso humilhar Oxossi mutalombó e que “não existe como alguém ser de bruxaria e de magia negra, ou ter sido, e não falar em africano”.

Fica claro nesse ponto que não é apenas a expressão cabal do ódio religioso, mas o ódio étnico, racista.

O MPF já havia feito pedido diretamente ao Google para que retirasse os 15 vídeos. A empresa respondeu que  “nada mais seria do que a manifestação da liberdade religiosa do povo brasileiro” e que “os vídeos discutidos não violariam as políticas da companhia”. A resposta do procurador regional dos Direitos do Cidadão, Jaime Mitropoulos não poderia ser diferente: “Repudiamos veementemente a posição da Google Brasil, já que o MPF compreende que mensagens que transmitem discursos do ódio não são a verdadeira face do povo brasileiro e tampouco representam a liberdade religiosa no Brasil”. Leia a íntegra do recurso do MPF.

É preciso dizer: tal decisão da Justiça Federal do Rio de Janeiro é inaceitável! É um atentado à democracia e à laicidade do Estado.

É preciso que a sociedade brasileira se mobilize contra os ataques à liberdade religiosa, inclusive à liberdade de não-crença.

 

 

14 pensamentos sobre “Justiça Federal do Rio declara que não existe intolerância religiosa se o alvo forem religiões de origem africana

    • Pois é.

      A católica, por sua vez, é uma adulteração dos textos judaicos unidos a tradições orais e escritos sem fontes que podem ter origem, inclusive, em textos de outras “não-religiões”.

      Em resumo: a decisão judicial é um absurdo completo, tanto teológico quanto legal.

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  1. Deviam caçar o diploma desse juiz. Não sabe nem que a emenda constitucional que garante a liberdade de culto, a liberdade religiosa, de crença, foi criada por um ateu justamente para defender os cultos africanos, e os evangélicos protestantes, da perseguição da hierarquia católica que interferia na justiça por meio de juízes católicos, como ele deve ser… O cara não segue a lei, não conhece a lei, ou deliberadamente, distorceu a lei, simplesmente, não serve pra ser juiz…

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  2. Porque será que ninguém defendeu veementemente o petista que atacou o Ministro Do STF, por incentivar o ódio e a discriminação contra o Ministro, por dizer que ele deveria levar um tiro na cabeça. Mas esta todo mundo preocupado com esta porcaria de religião. Tem coisa muito mais importante acontecendo no mundo e no Brasil.

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    • Pois é, Vania. Para gente como você, que acha que a religião dos negros é “porcaria” (SIC), é mais importante, de fato, defender um juiz corrupto, que usa o seu e o meu dinheiro pra passear pela França.

      Agora, só pra você saber: racismo é crime!

      Felizmente, o seu racismo não encontra eco entre os livres pensadores.

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    • Você é tão anômala e misógina, que me dá ânsia.
      Racismo puro pode ser traduzido por suas palavras. PURO
      Provavelmente, você deve ser alguma protestante conivente com esses atos de merda desses infelizes. Ratos, esses nojentos.
      Você não percebe que, eles estão instaurando uma segunda Santa Inquisição. Alguns anos atrás, uma mãe-de-santo, foi brutalmente assassinada por um homem que, nem da RELIGIÃO dela era, ou seja, ele era cristão. Matou em nome de um Deus anômalo.
      Isso é a segunda Santa Inquisição se instaurando em pleno território brasileiro minha cara. Abra seus olhos e perceba isso.
      Isso que estão fazendo, vai permitir que corjas, e eu repito, corjas nojentas de pastores charlatões (me processe quem quiser) adentrem dentro dos centros espíritas de base africana, e façam o que bem entenderem, saindo impunes, pois se não houver agressão física, eles poderiam ser enquadrados por crime religioso. Mas não. Instaurada a nova Inquisição do Brasil, eles sairão impunes.
      Em breve veremos cabeças sendo guilhotinadas e pessoas indo para a fogueira tal e qual São Valentim e Joanna D’arc respectivamente.

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