Deputados evangélicos e a defesa da tortura de crianças

Durante a discussão de lei que proíbe o tratamento cruel e degradante a crianças, o deputado da bancada evangélica Pastor Eurico (PSB-PE) ofendeu uma das debatedoras, a apresentadora Xuxa Meneguel, em uma tentativa de tumultuar a sessão e impedir a votação da matéria.

criança agredidaOntem foi aprovada na Câmara dos Deputados o PL 7672/10, proposto pela presidente Dilma Rousseff, que altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, dando à criança o direito de ser educada sem tratamento cruel ou degradante. Em outras palavras: explicita que o espancamento e tortura física e psicológica a crianças é proibido.

Pode parecer até óbvio, mas a “lógica” de certas pessoas ultrapassa qualquer limite. Não é a primeira vez que deputados da bancada evangélica saem em defesa de agressores e estupradores de crianças, mas, desta vez, eles prometem “impedir a aprovação dessa lei”.

O deputado Pastor Eurico não foi o único a declarar sua defesa à tortura de crianças. O deputado Marcos Rogério (PDT-RO), também da bancada evangélica, afirmou que, se o Estado não consegue combater o crime comum, não tem que se meter nas famílias. Silas Malafaia foi mais longe: para ele, uma lei que protege as crianças da tortura é “mais uma palhaçada de deputado que não tem o que fazer e não entende nada de educação de filho”, e acrescenta: “Isto está me cheirando a ideologia de governo. Querem se intrometer e determinar sobre a educação de nossos filhos. Não aceitamos!” e promete: “No meu programa de tv Sábado 24 de Dezembro vou ‘descer o bambu’ nesta lei da palmada. Quando o assunto entrar em pauta no Senado, faremos uma campanha para impedir a aprovação dessa lei”.

E não foram só os evangélicos que criticaram a lei. O deputado Jair Bolsonaro, famoso por defender a tortura e os assassinatos praticados por agentes do Estado, saiu em defesa da violência doméstica, afirmando que a lei é “interferência do Estado na família”.

Já o astrólogo e guru pseudocientífico Olavo de Carvalho defende que, ao impedir a tortura e o assassinato de crianças, a lei “incentiva o bandidismo”.

Outro ícone do conservadorismo obscurantista brasileiro, o “blogueiro” da Veja, Reinaldo Azevedo, vai na mesma linha: ao coibir a tortura e o espancamento de crianças, “o PT quer punir os pais decentes”, segundo ele. Ou seja: para essa gente, decente é o pai que deixa o filho como a criança da imagem (perdoem a imagem desagradável, mas necessária).

O menino Bernardo e o mundo real

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Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos

O PL 7672/10 recebeu dos deputados o nome de Lei Menino Bernardo em homenagem ao menino de 11 anos Bernardo Uglione Boldrini, assassinado no Rio Grande do Sul. A justiça acusa o pai (que é médico), a madrasta e dois amigos do casal pelo crime. Bernardo foi assassinado com uma injeção letal e jogado em um matagal nu, dentro de uma mala.

Bernardo havia procurado o Ministério Público para avisar que sofria maus tratos em casa. Em audiência, pediu para ir morar com a avó materna, mas seu pai pediu um segunda chance e ele cedeu.

Ao contrário do Mundo da Fantasia em que vivem os deputados da Bancada Evangélica e os conservadores obscurantistas, como Bolsonaro e Azevedo, no Mundo Real a violência contra crianças é constante. Cerca de 70% das agressões a crianças ocorrem dentro de casa. Destas, 53% tem como autores os pais da criança. O crescimento dos casos de agressão a crianças cresce assustadoramente. Só no Rio de Janeiro, as denúncias de maus tratos cresceram de 420 em 2011 para 6.503 em 2013. As denúncias de lesão corporal cresceram de 236 casos em 2011 para assustadores 4.114 em 2013. A tortura contra crianças também cresceu 1.300% entre 2011 e 2013.

Segundo dados da Sociedade Internacional de Prevenção ao Abuso e Negligência na Infância, 12% das crianças brasileiras menores de 14 anos sofrem violência doméstica. São 18 mil crianças agredidas por dia.

A origem da violência

O caso Isabella Nardoni, assassinada pelos pais dentro de casa, se tornou notório na mídia, mas está longe de ser uma exceção. Em fevereiro deste ano, um menino de 8 anos, Alex, foi espancado pelo pai até a morte dentro de casa, no Rio de Janeiro. No depoimento que deu a polícia, o pai afirmou que batia constantemente no filho porque ele era muito desobediente. Alex tinha um ótimo desempenho na escola, com notas sempre acima de 80.

alex

Alex, 8 anos, com a mãe

Alex morreu de hemorragia interna porque seu fígado foi perfurado depois de apanhar por 2 horas. O motivo para o pai assassinar seu próprio filho? Ele achava que Alex era “muito efeminado”, porque gostava de dança do ventre e de lavar a louça. Para o pai, a surra foi apenas um “corretivo” para que ele aprendesse “a andar como homem”. Como o filho não chorava durante a surra, o pai batia mais e mais, para que a “lição” tivesse efeito.

Para a psicóloga Lígia Caravieri, coordenadora do Crami (Centro Regional de Atenção aos Maus-tratos na Infância), a sociedade brasileira é conivente com uma educação baseada na violência: “A sociedade acredita que não deve se meter na forma como as pessoas educam seus filhos, e que a violência é uma punição aceitável. As pessoas foram criadas desta forma e acabam reproduzindo isso. Quando estes casos chocantes aparecem, a comunidade fica indignada, mas muitas vezes não denuncia ao observar o comportamento em outras famílias próximas”.

Apesar de toda essa violência, Lígia ressalta que os óbitos não são comuns. “Na maior parte das vezes, os pais acham que estão fazendo o melhor para os seus filhos, pois é tudo que conhecem e aprenderam a fazer”.

O que fazer?

É óbvio que a simples criminalização da violência doméstica contra crianças não basta. É preciso alterar essa cultura de violência arraigada em nossa sociedade.

Por outro lado, várias experiências demonstram que alterar a legislação pode, sim, ter efeito significativo na mudança de cultura. É o caso da obrigatoriedade do cinto de segurança, por exemplo, ou a proibição do consumo de álcool ao voltante.

Mas, é importante denunciar os que desejam manter a cultura da violência, do estupro e da tortura. É importante deixar claro que a postura da Bancada Evangélica de da Bancada Conservadora são inaceitáveis. É preciso dizer: a postura da Veja, que abriga e incentiva essa cultura, é inaceitável.

Que o Senado aprove a Lei Menino Bernardo! Que a presidente sancione! Chega de violência contra nossas crianças. Chega de obscurantismo e conservadorismo assassino.

7 pensamentos sobre “Deputados evangélicos e a defesa da tortura de crianças

  1. A quantidade de pais ausentes é surpreendente. Isso gera violência atrás de violência. A omissão também deveria ser punida da mesma forma que a violência física pois é uma forma de destruir o caráter das crianças e acabar com suas auto-estimas. Atitudes que transformarão a criança em um adulto fracassado. A ausência, a falta de atenção na educação dos filhos é o que gera a “palmada” e a agressão porque é mais fácil intimidar pela força bruta do que compreender as ações de um filho e corrigi-las. Gasta tempo educar o próprio filho, pois tem que haver dedicação, cuidado e atenção especial e faz os pais perceberem o principal: educar corretamente um filho faz o pai ou a mãe enxergarem os seus próprios defeitos, incompetências e irresponsabilidades nesse mundo atual que tudo é feito a “toque de caixa” . Assim ele ou ela teme ver revelado em si próprio as suas fraquezas e defeitos, muitas vezes graves. Uma criança não precisará de ser estapeada ou agredida se tiver amor. O amor cria uma disciplina própria que faz o adulto se corrigir ao mesmo tempo que cuida e educa os seus filhos para a vida. Quem ama zela, cuida de quem ama. Essa é a essência do amor.
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  2. Pingback: Deputado do PP paulista propõe lei para impedir o apocalipse | Livre Pensamento

  3. Ao invés de uma lei que proíbe os pais de darem uma surra nos filhos (educação aprendida e exercitada nas famílias desde que o mundo é mundo), por que não tornarem lei a obrigatoriedade de casais a frequentarem cursos sobre educação familiar com os mais modernos recursos pedagógicos, a fim de ensinarem os pais como educarem adequadamente seus filhos? Se o Estado está tão interessado na educação das futuras gerações deveria dar o suporte às famílias e não um modelo de educação consuetudinário.

    A distância que separa a palmada pedagógica e o espancamento é a gradação; a razoabilidade da medida punitiva.

    Apanhei de palmatória,de minha mãe e não cresci revoltado; nem me tornei um marginal. Ela sempre dizia o porquê estava apanhando, chorava comigo e fazia prometer não induzi-la a ter que bater em mim novamente.

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    • Celso,

      O uso da violência nunca é razoável. Talvez apenas como auto-defesa.

      Pior: violência contra um ser muito mais frágil, indefeso. Violência contra alguém que ama e depende de você.

      Palmada pedagógica. Existe covardia. Existe incompetência. Existe irresponsabilidade.

      O fato e uma coisa ser “costume” não a torna mais ou menos certa. Era costume tratar câncer com reza ou esquizofrenia com crucifixo. Qual a efetividade de tais tratamentos? Nenhuma.

      Há uma cultura de violência que tem que ser superada. A mesma cultura que espanca a criança é a que a estupra e ainda culpa a vítima.

      No outro post você afirmou que “O Verdadeiro Cristianismo não usa de violência para impor seus dogmas”, no entanto, todos os religiosos citados neste texto defendem a violência é você mesmo o faz.

      Então você não é um cristão verdadeiro nem esses religiosos todos o são?

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    • Já vi Textos idênticos ao seu e é tudo balela pró violência contra menores. Por trás de todo Motivo jaz o sadismo.

      As únicas coisas que impedem Pais matarem os Filhos são a complexa logística que envolve o Cadáver e o longo período para que o Substituto consiga fornecer o prazer sádico durante a tortura.

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