Pesquisadores criticam ensino ‘decoreba’ de ciências nas escolas do país

Academia brasileira, que completa 100 anos, sugere substituir memorização pelo raciocínio

Renato Grandelle

Poucas coisas apavoram tanto um adolescente quanto assistir ao professor desenhando uma fórmula científica num quadro negro. É um ensino difícil, tedioso e ultrapassado. Essas ideias são de um grupo de trabalho da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que, durante as comemorações de seu centenário, revelou ao GLOBO como começou a avaliar maneiras para tornar as aulas mais atrativas, substituindo a memorização pelo raciocínio. A equipe, capitaneada pelo físico Luiz Davidovich, aponta problemas na formação do corpo docente atual e critica a falta de investimentos na educação infantil. Suas propostas para a criação de um novo método de estudos devem ser concluídas no segundo semestre.

A formação da equipe foi motivada pela percepção de que, em todo o mundo, houve uma redução do número de jovens que buscam carreiras de natureza científica e tecnológica. O fenômeno seria provocado pelo uso de métodos convencionais de ensino, baseados apenas na anotação de um conteúdo, em detrimento de experiências práticas e trabalhos em grupo.

— Os currículos dos cursos de formação de professores vêm com métodos prontos para o ensino de ciência e matemática. Falta esforço para despertar a curiosidade dos alunos — critica Davidovich, presidente da ABC. — Durante a licenciatura em pedagogia, os profissionais não aprendem o conteúdo sobre a disciplina que vão ensinar. Sem este conhecimento, eles não conseguem investir em inovação.

Excesso de matérias

Uma das maiores limitações para a mudança no ensino de ciência é a necessidade de conhecer o conteúdo de todas as áreas durante a preparação para o vestibular. O sociólogo Simon Schwartzman, que também compõe o grupo de trabalho, acredita que o ensino deve ser baseado na especialização.

— Temos até sete milhões de pessoas fazendo provas do Enem e menos de 250 mil vagas. Os reprovados terminam o ensino médio sabendo um pedacinho de cada disciplina, o que não vai servir para nada — avalia. — O ideal seria que, ainda no colégio, ele aprendesse o suficiente para conseguir uma qualificação técnica. Não teriam diploma universitário, mas estariam preparados para o mercado de trabalho.

Professor de física e gestor da Escola Parque, Carlos Alberto Nascimento também avalia que o vestibular limita o interesse do estudante e as chances para o desenvolvimento de um novo tipo de aprendizado. Nascimento foi um dos responsáveis pela implementação de uma disciplina que converge ciência e arte — um “diálogo entre uma atividade racional e a sensibilidade”, na qual o aluno pode escolher uma entre 12 oficinas, do grafite e tecnologia à robótica.

— O vestibular é um grande impedimento à ampliação cultural, já que ele vai nortear toda a formação na escola — explica. — A formação docente e o material didático também são limitados. Fica a imagem de uma ciência neutra, que não desperta interesse. O aluno não cria encantamentos e ignora que o conteúdo aprendido é, na verdade, fruto da curiosidade humana.

Os educadores também recomendam que a “alfabetização científica” comece nos primeiros anos do ensino básico, promovendo brincadeiras que estimulem o raciocínio das crianças. Se tiverem espaço para observar e agir, os alunos mais novos terão curiosidade para fazer seus próprios experimentos — e esta é a fórmula que, daqui a alguns anos, pode livrá-los da “decoreba”.

Fonte: O Globo

2 pensamentos sobre “Pesquisadores criticam ensino ‘decoreba’ de ciências nas escolas do país

  1. O interessante é que muita gente da área de educação também concorda com os problemas desse modelo industrial e conteudista. A Dra. Roseli tem uma frase tão bela quanto seu trabalho na área. "A criança nasce cientista. É a escola que a silencia"

    Mas se concordamos com isso, porque a instituição não muda? Porque existe um sério problema de projeto em nosso sistema educacional. Tempos atrás fiz uma resenha de uma série de artigos do professor Rodrigo Zeidan que considera os problemas do sistema educacional brasileiro. Ele levanta diversos pontos interessantes, uma análise sem dogmas onde vale tudo, de Marx a Mises, desde que funcione. Entre outros fatores ele observa que, por incrivel que pareça nosso sistema até melhorou, o acesso a educação aumentou muito nos últimos anos, porém o sistema ainda está longe de ser bom.

    Entre outros pontos ele observa que fatores familiares, pré-natal e pré-escola tem imenso impacto no desempenho acadêmico dos estudantes. Que precisamos urgente de mais P&D em educação, de forma rigorosa e sistemática, para experimentarmos e entendermos as iniciativas de funcionam e desenvolver técnicas para multiplicar isso ao longo do país. Precisamos de soluções para os nossos problemas e não os da Finlândia ou Dinamarca. Se preferirem o original dele está aqui.

    Pessoalmente acho não dá para acreditar que esse monolítico MEC em Brasília vai conseguir estruturar e considerar tantas variáveis em um país continental. É preciso descentralizar em diversos pontos. E, talvez, federalizar a educação básica, como defende o senador Cristovam. Pessoalmente deixaria isso só com a educação básica.

    Enfim, acho que a escola atual é formada por poucas grandes fábricas de Fuscas, quando o que precisamos agora são milhares de pequenas fábricas semi-artesanais de Ferraris.

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  2. Desculpem, errei o link para o original. Em todo o caso ele está href=”https://rzeidan.com/2016/06/06/tudo-que-voce-sabia-sobre-educacao-estava-errado-final-reformas-no-ensino-infantil-e-superior/> aqui e na resenha.

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