Close-up realista de uma prensa hidráulica com um cifrão dourado esmagando uma cabeça humana. Da mente pressionada, extrai-se um fio neuronal dourado que é transformado pela própria máquina em um cristal bruto. Metáfora visual crítica sobre como o capitalismo neoliberal pressiona a saúde mental e depois mercantiliza o sofrimento através de pseudociências.

Ansiedade pós-pandemia e o negócio da pseudociência

Maurício Moura

A pandemia de COVID-19 expôs, de forma brutal, a fragilidade das estruturas sociais e a vulnerabilidade da mente humana diante da incerteza radical. O isolamento, o luto, o medo da doença e a instabilidade econômica global geraram um aumento alarmante nos casos de ansiedade e depressão. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25% apenas no primeiro ano da crise sanitária 1.

Em um cenário onde a saúde mental se tornou uma crise de grandes proporções, e onde os sistemas públicos de saúde frequentemente falham em oferecer atendimento adequado e acessível, surge um vácuo. E é nesse vácuo que floresce um mercado lucrativo de pseudociências, pronto para explorar a dor e a busca desesperada por soluções rápidas e milagrosas. O sofrimento psíquico, antes uma questão de saúde pública, é rapidamente transformado em mercadoria.

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Fotografia mostra um homem pobre ajoelhado de costas em um beco escuro, com as mãos atrás da cabeça. À direita, uma figura sombria segura uma pistola apontada para ele. No primeiro plano, um distintivo policial e dinheiro estão sobre uma caixa de madeira. Simboliza a atuação dos esquadrões da morte na polícia do Rio de Janeiro

Gratificação Faroeste: a legalização dos Esquadrões da Morte no Rio

Ao aprovar um bônus por “neutralização de inimigo”, a ALERJ não combate o crime, mas assina uma carteira de trabalho para o extermínio.

Maurício Moura

A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ) aprovou, em 23 de setembro de 2025, a emenda que reinstitui a polêmica “Gratificação Faroeste”. Com 47 votos a favor e 15 contra, os deputados autorizaram o pagamento de um bônus mensal a policiais civis que “neutralizarem inimigos” em confronto 1. A retórica oficial a vende como um estímulo à coragem e uma resposta à guerra urbana. Na prática, porém, a medida é a mais explícita e chocante legalização de práticas de esquadrão da morte já vista no Brasil. Ela transforma o Estado em patrocinador do extermínio, incentiva a execução sumária e explora de maneira perversa a vulnerabilidade financeira dos agentes de segurança, criando um incentivo econômico irrecusável para que se mate em vez de se prender.

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A extrema-direita e a mentira como estratégia política

Maurício Moura

A desinformação tem sido frequentemente tratada como um subproduto inevitável das redes sociais: um vírus digital que infecta ecossistemas midiáticos e corrói a confiança nas instituições. No entanto, um estudo pioneiro publicado no International Journal of Press/Politics, analisando 32 milhões de tweets de parlamentares em 26 países entre 2017 e 2022, demonstra que a desinformação não é um fenômeno generalizado: é, sobretudo, uma estratégia política articulada por partidos populistas de extrema-direita 1 2.

A pesquisa, conduzida por Petter Törnberg (Universidade de Amsterdã) e Juliana Chueri (Universidade Livre de Amsterdã), revela que a propagação de informações falsas está intrinsecamente ligada a um projeto político específico: aquele que combina populismo, ultradireitismo e hostilidade às instituições democráticas 1 3.

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Protocolo super bebê. Risco para a mãe e risco para o bebê

Protocolo Super Bebê: o que é, riscos e embasamento científico

Maurício Moura

Em meio a vídeos virais sedutores e promessas milagrosas, o chamado “Protocolo Super Bebê” emergiu nas redes sociais como uma tendência perigosa para gestantes. A prática, que promete elevar o QI e fortalecer o sistema imunológico do bebê por meio de megadoses de vitaminas injetáveis, foi amplamente divulgada por influencers e até mesmo alguns profissionais da saúde, gerando fascínio e preocupação. No entanto, por trás da aura de inovação e biohacking, esconde-se uma realidade alarmante: a completa ausência de comprovação científica e riscos graves à saúde materna e fetal. Entidades médicas de peso, como a Federação Brasileira das Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), emitiram alertas formais contra o protocolo super bebê, classificando-o como uma prática pseudocientífica que viola os princípios da ética médica e coloca vidas em perigo. Este artigo examina criticamente essa moda perigosa, detalha seus riscos reais e reforça a importância fundamental de um pré-natal baseado em evidências como único caminho seguro para uma gestação saudável.

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IX Congresso da Associação Internacional do Livre Pensamento

Participe do Congresso Internacional de Livre Pensamento – 2025

Em um mundo onde os fundamentalismos religiosos e os ataques ao Estado Laico se intensificam, a união e a voz coletiva dos que defendem a razão, a liberdade de consciência e a justiça social são mais urgentes do que nunca. É com este espírito de resistência e solidariedade internacional que a Associação Internacional do Livre Pensamento (AILP) convoca o seu IX Congresso.

Dirigimo-nos especialmente às nossas camaradas e aos nossos camaradas de todas as associações de livre pensamento, humanistas, racionalistas, materialistas, ateias e laicas da Lusofonia – de Portugal ao Brasil, de Angola a Moçambique, de Cabo Verde à Guiné-Bissau, de São Tomé e Príncipe a Timor-Leste – para juntarem-se a nós neste encontro crucial.

Os desafios que enfrentamos em nossas nações, embora diversos em seu contexto, são profundamente semelhantes em sua essência: a luta contra os privilégios das igrejas, a busca por reparação para as vítimas de seus crimes, e a defesa intransigente de um espaço público secular onde nenhuma crença possa impor sua lei. A riqueza de experiências e estratégias dos países lusófonos é uma contribuição inestimável para esta luta global.

Este congresso será um espaço privilegiado para fortalecer os laços de ajuda mútua entre livres-pensadores de todos os continentes, para denunciar os crimes das igrejas e articular ações por justiça e reparação e para debater estratégias comuns para enfrentar o poder temporal e a riqueza das instituições religiosas.

Convidamos todas as organizações irmãs a participarem ativamente deste diálogo fraterno, contribuindo com suas experiências e ajudando a moldar a Declaração Internacional que será produzida. Sua presença e sua voz são indispensáveis para que este congresso verdadeiramente represente a diversidade e a força do livre pensamento em todo o mundo.

Contamos convosco!

Abaixo, seguem a Carta-Convite oficial com todos os detalhes temáticos e organizativos, e o Programa provisório do congresso.

Juntos pela Razão, pela Laicidade e pela Emancipação Humana!

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Congressio nacional do Livre Pensamento da França

Congresso nacional do Livre Pensamento na França

Em agosto de 2025, a Federação Nacional do Livre Pensamento (FNLP) da França, integrante da Associação Internacional do Livre Pensamento (AILP), realizou seu Congresso Nacional na comuna de Le Garric, no departamento de Tarn. O local escolhido carrega profundo simbolismo: uma região de tradição mineira e operária, berço do socialista e pacifista Jean Jaurès, cujo legado intelectual ainda permeia as lutas contemporâneas. Este congresso, ocorrido entre os dias 19 e 22, serviu como plataforma para reafirmar os combates históricos do movimento: a defesa intransigente da lei de 1905 de separação entre Igrejas e Estado, ameaçada por legislações recentes, e a luta incansável contra a guerra.

A entrevista a seguir, concedida por Christian Eyschen, secretário-geral da organização, a David Combes, foi originalmente publicada no jornal Informations Ouvrières (nº 873), oferecendo um balanço detalhado dos debates e resoluções do encontro, que reacendeu o chamado ao ativismo laico, pacifista e internacionalista.

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Empreendedorismo é totalitarismo

Empreendedorismo: a nova face do totalitarismo

Maurício Moura

Imagine acordar e, antes mesmo de escovar os dentes, checar suas métricas: horas de sono, tempo no celular, lista de tarefas. Você não está mais vivendo, está gerenciando um negócio. Esta não é uma distopia futurista, mas o presente vendido como ‘o único caminho’.

Um mantra que se repete em todos os cantos: “seja empreendedor”. Esta palavra mágica aparece como solução para o desemprego, para crises econômicas e até como caminho para encontrar propósito na vida. Mas o que parece um conselho inofensivo esconde uma das operações ideológicas mais poderosas de nosso tempo. A filósofa Marilena Chauí nos ajuda a enxergar o que está por trás desse discurso: o empreendedorismo é a expressão mais pura do que ela chama de totalitarismo neoliberal1.

Diferente dos velhos totalitarismos que usavam a força bruta, este novo tipo age de maneira sorrateira. Ele não impõe pela violência, mas pela sedução. Vai transformando tudo em negócio, da educação aos relacionamentos, da cultura aos nossos sonhos mais íntimos. Aos poucos, todas as esferas da vida vão sendo dominadas pela lógica do mercado, onde só valem as regras da eficiência, produtividade e competitividade.

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Demarcação científica: a ilusão da neutralidade

Demarcação científica: a ilusão da neutralidade

Maurício Moura

Neste quarto e último capítulo da nossa série sobre demarcação científica, enfrentamos a pergunta crucial: será possível encontrar critérios universais para distinguir ciência de pseudociência?

Ao compararmos a eficácia dos modelos clássicos e contemporâneos nas diferentes áreas do conhecimento, que padrões emergirão? A falseabilidade popperiana, tão eficaz na física, mostrar-se-á igualmente válida na antropologia? Os paradigmas de Kuhn e o modelo sistêmico de Bunge conseguirão superar as limitações dos critérios tradicionais?

Mais importante: que custos políticos e epistemológicos carregam as tentativas de estabelecer demarcações rígidas? E que tipo de ciência queremos construir – uma que hierarquiza saberes ou uma que celebra a diversidade cognitiva?

A jornada que concluiremos aqui questionará não apenas como definimos ciência, mas para quem e para que fins o fazemos.

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A questão da demarcação e os vários saberes

Demarcação científica: modelos sistêmicos e justiça cognitiva

Maurício Moura

Se as abordagens histórico-sociais revelaram a natureza política da ciência, os critérios contemporâneos buscam operacionalizar essa complexidade sem abandonar o rigor metodológico. Este capítulo examina três eixos fundamentais: o modelo sistêmico de Mario Bunge, que propõe dez dimensões interligadas de cientificidade; a abordagem híbrida de Carvalho, que articula critérios epistemológicos e políticos; e a análise dos fatores sociorraciais que desvelam como hierarquias étnicas estruturam a produção do conhecimento.

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O caleidoscópio da demarcação cientifica

Demarcação científica: a politização do conhecimento

Maurício Moura

Se os critérios clássicos de demarcação falharam em estabelecer padrões universais, as abordagens histórico-sociais emergem precisamente para reconhecer que a validação científica nunca ocorre no vácuo. Continuando nossa série sobre a demarcação científica, este capítulo examina como Thomas Kuhn, Imre Lakatos e pensadores sociais deslocaram o debate da lógica formal para as dinâmicas concretas de produção do conhecimento, um movimento radical que revela a ciência como prática humana, intrinsecamente ligada a contextos históricos e relações de poder.

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