Legado de Rodas e Alckmin: genocídio intelectual de uma geração

O fechamento do Museu Paulista por quase uma década e a interdição da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP são o retrato de uma política de emburrecimento da juventude

por Maurício Moura

Museu PaulistaQuando escrevi sobre as ações de três governos estaduais para emburrecer a juventude brasileira (Os inimigos do Livre Pensamento – 13/03/2013), em minha inocência, não fiz a ligação entre este e vários outros ataques levados a cabo pelo governo paulista. Até já havia ficado clara a intenção do governador José Serra  (PSDB), e depois de Alckmin, de privatizar a USP, mas não imaginei que a coisa pudesse ficar tão feia.

No ano passado, em visita a São Paulo, quis ir até o Museu Paulista (que o povo por lá chama de Museu do Ipiranga). Descobri, decepcionado, que ele tinha sido fechado emergencialmente para reformas.

Essa semana descobri, consternado e revoltado, que ele provavelmente ficará uma década assim!

O Museu Paulista pertence à Universidade de São Paulo (USP). Sabendo disso, as coisas começaram a fazer sentido…

A Universidade de São Paulo

Acabou o mandado do agora ex-reitor da USP, João Grandino Rodas, mas o seu legado é um retrato de tristeza e desolação. Escolhido pelo ex-governador José Serra para tentar impor a privatização da USP, seu mandato foi, desde o início um amontoado de truculência, desrespeito acadêmico e destruição do patrimônio público.

Desde o fim da Ditadura Militar no Brasil, todos os reitores da USP foram escolhidos pelo voto direto da comunidade acadêmica. A indicação de Rodas, que perdeu a eleição, foi uma grande surpresa, já que a última vez que algo assim havia acontecido foi no governo Paulo Maluf, sob o regime ditatorial brasileiro.

O que não surpreendeu foram suas atitudes a partir daí.

Violência e truculência

Rodas havia sido diretor da Faculdade de Direito da USP. O prédio do Largo de São Francisco (que abriga essa faculdade) é uma referência histórica no que se refere à luta pela democracia no Brasil. Foi constante palco das mobilizações pelos direitos democráticos do povo brasileiro em vários momentos históricos, como a campanhas das Diretas e o Fora Collor.

Pois bem, não é que Rodas ignorou quase 200 anos de tradição da Faculdade e mandou a PM acabar violentamente com um protesto de estudantes? Assim, não causou admiração quando, já como reitor, autorizou uma ocupação militar do campus do Butantã, promovendo espancamentos, prisões arbitrárias, demissões e expulsões em massa de qualquer membro da comunidade acadêmica que ousasse levantar a voz contra seus ditames.

O objetivo da escolha de Rodas por Serra ficou logo claro: eliminar a oposição e abrir caminho para a privatização da USP. Conseguiram isso parcialmente, aprofundando ferozmente a terceirização e privatizando parte do Hospital das Clínicas. Essa faceta em seu caráter já tinha ficado clara quando vendeu a um banqueiro e a um escritório de advocacia o nome de duas salas da Faculdade de Direito. Por conta disso, Rodas é réu em uma ação de improbidade que ultrapassa R$ 3 milhões.

Assim, se por um lado gastou mais de R$ 100 milhões na construção de uma praça para os museus da USP, por outro lado, abandonou o Museu Paulista à sua própria sorte.

Um genocídio intelectual

O Museu Paulista, conhecido como Museu do Ipiranga, é o mais importante museu da USP e um dos mais visitados de São Paulo. A instituição tem sob sua guarda 125 mil artigos englobando cinco séculos, de quadros e esculturas a utensílios do dia a dia de bandeirantes, índios e da nobreza. Possui também vasto acervo iconográfico e documentação arquivística. A equipe de especialistas do museu ainda se dedica a três linhas de pesquisa: Cotidiano e Sociedade, Universo do Trabalho e História do Imaginário.

O Museu do Ipiranga tem um valor incomensurável. Mesmo assim foi completamente abandonado por seguidos governos e gestões da USP. Com o provável objetivo de privatizar seu patrimônio, o museu foi deixado praticamente sem manutenção por vários anos. O resultado são enormes danos estruturais no prédio de estilo neoclássico renascentista, construído em 1895. Além das rachaduras, partes da fachada estão despencando.

A previsão (se não chover) é que as reformas se estendam até 2022! Em outras palavras: toda uma geração de estudantes que acabaram de entrar na escola não terão absolutamente nenhuma oportunidade de conhecer o museu durante todo o fundamental! Quase uma década sem um dos museus mais importantes do Brasil!

Eu só queria entender uma coisa: se a Arena Corinthians (em estádio que abrigará quase 70 mil pessoas) levou menos de 3 anos pra ficar pronta, será que é realista uma previsão de uma década para a reforma do museu?

É, mas a marca dessa dupla não para por aí.

Andando para trás

USP LesteA construção de um campus da USP na Zona Leste foi uma grande conquista do povo de São Paulo. É um marco rumo à universalização da educação superior. Abrigando a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, o campus é o lar acadêmico de 5 mil estudantes.

A USP Leste foi construída em cima de um antigo aterro sanitário e entregue pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB) sem licença ambiental. Para agravar a situação, em 2011 (novamente com Alckmin no governo) , parte da área do campus foi aterrada com várias toneladas de terra contaminada.

Isso somado ao total abandono da manutenção das instalações criou uma situação em que todo o campus está contaminado por gás metano (tóxico e explosivo), além de um surto de parasitas nas instalações.

Preocupados, estudantes e professores organizaram uma greve e ocuparam o campus no final do ano passado para exigir uma atitude do governo e da Reitoria. A única medida tomada pelo governo foi mandar a tropa de choque escorraçar os estudantes.

Este mês, a Justiça determinou a interdição do campus. Pesquisas acadêmicas, financiadas com recursos públicos, ficaram lá dentro, abandonadas. Dezenas de pesquisadores podem perder meses de trabalho, além das bolsas de estudo. As aulas estão sendo transferidas para gambiarras feitas em escolas estaduais, ou para o campus Butantã, do outro lado da cidade.

Prazo pra regularização? Nenhum.

O novo reitor, Marco Antonio Zago, recebe esse legado com muitas promessas, mas o estrago já está feito.

Cabe às organizações dos professores, funcionários e estudantes tomar a frente e liderar a luta em defesa da USP. DCE, Sintusp e Adusp devem tomar para si a tarefa de exigir da Reitoria e do governo estadual que revertam a privatização do Hospital das Clínicas, que revertam as terceirizações na USP, que reabram imediatamente o Museu Paulista (pode-se usar o prédio do Museu de História Natural, que está de mudança para o Butantã, por exemplo) e que descontaminem imediatamente a USP Leste.

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Um pensamento sobre “Legado de Rodas e Alckmin: genocídio intelectual de uma geração

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