Ur-Fascismo: a vigilância perpétua de Umberto Eco contra o autoritarismo

Maurício Moura

Umberto Eco, semiólogo e romancista italiano, deixou um legado intelectual que transcende as fronteiras da academia. Seu ensaio “Ur-Fascismo” (1995), escrito para o 50º aniversário da libertação da Europa, permanece uma ferramenta crucial para decifrar os autoritarismos do século XXI. Este artigo explora como as 14 características do “fascismo eterno” identificadas por Eco iluminam fenômenos contemporâneos como o trumpismo, o bolsonarismo e certas correntes do sionismo, revelando padrões inquietantes que desafiam as democracias modernas 1.

Umberto Eco além da rosa

Nascido em Alessandria, no norte da Itália, em 1932, Eco viveu sua infância sob o regime fascista de Mussolini. Aos 10 anos, venceu um concurso de redação fascista com o tema “Devemos morrer pela glória de Mussolini?”, experiência que marcaria sua percepção sobre os mecanismos de doutrinação ideológica. Formou-se em Filosofia pela Universidade de Turim com uma tese sobre a estética em Tomás de Aquino, base de seus estudos medievais 2.

Professor de semiótica na Universidade de Bolonha (1975-2016), Eco revolucionou os estudos culturais com conceitos como “obra aberta” (textos com múltiplas interpretações) e “guerrilha semiológica” (crítica à manipulação midiática). Sua análise da cultura pop em Apocalípticos e Integrados (1964) desafiou a dicotomia entre alta e baixa cultura, enquanto O Nome da Rosa (1980) fundiu erudição medieval e narrativa policial, vendendo 17 milhões de exemplares 3.

Ur-Fascismo: anatomia de um fantasma eterno

Escrito originalmente para uma conferência na Universidade Columbia em 1995, o ensaio parte das memórias de Eco na resistência antifascista italiana. Nele, argumenta que o fascismo histórico foi derrotado, mas seu “espírito arquetípico” (Ur-Fascismo) sobrevive como síndrome adaptável, capaz de ressurgir sob novas roupagens. Eco alertava contra a banalização do termo “fascista” e a ascensão de nacionalismos pós-Guerra Fria 1.

As 14 características do fascismo eterno

Umberto Eco define o Ur-Fascismo (“fascismo eterno”) não como uma ideologia coesa, mas como um fenômeno psicológico e cultural adaptável, cujas características podem surgir em contextos históricos distintos. Sua análise, baseada em vivências sob o regime fascista de Mussolini e em estudos semióticos, revela 14 traços que funcionam como “fragmentos de um quebra-cabeça”: basta um para ativar uma nebulosa fascista 1.

1. Culto a uma tradição inventada

O mecanismo se dá através da fabricação (ou invenção) de uma “linhagem sagrada” através da fusão artificial de elementos históricos desconexos. Eco demonstra como o fascismo opera uma sincretismo tóxico que une religiosidade e um nacionalismo mítico. A tradição é apresentada como imutável, mas é constantemente reinventada para servir a agendas atuais.

O objetivo é satisfazer a necessidade humana de pertencimento através de raízes imaginárias, criando uma identidade exclusivista que rejeita pluralismo. É um apelo psicológico ao viés endogrupal e ao identitarismo. Além disso, há um apelo à negação da realidade objetiva em nome de verdades absolutas “anunciadas” no passado com o objetivo de blindar seus seguidores de qualquer crítica.

Essa característica foi marcante no nazismo com o culto ao Volk, o resgate de símbolos germânicos e a promoção da “arte ariana. No fascismo italiano, evidencia-se no uso do fascio littorio, na estética neoclássica e na Marcha Sobre Roma como um mito fundador. Já o Franquismo abusou do revisionismo histórico, inventando uma “Espanha eterna” que sempre teria sido católica, cultuando a Virgem e os Reis Católicos e afirmando que nisso residia a legitimidade autoritária e centralizadora do regime.

O Brasil e Portugal não escaparam. O Estado Novo português de Salazar inventou um “português rural, humilde e católico” e os três F (Fátima, Fado e Futebol) para inventar sua identidade nacional. Os Integralistas brasileiros eram mais claros: o uso do Anauê como símbolo de uma suposta tradição indígena, os uniformes verdes, a narrativa absurda de um Brasil orgânico e hierárquico.

Exemplos contemporâneos

Tal característica é forte também no Sionismo, com a invenção de uma identidade judaica única que suprime as várias etnias judaicas não europeias. Além disso, a narrativa do retorno a uma suposta “terra ancestral” ignora completamente as várias rupturas históricas e culturais. O próprio uso do hebraico, língua morta por séculos, é característica marcante dessa tentativa de invenção de identidade.

Nos nossos dias também é possível identificar essa característica no QAnon 4 (no personagem vestido de peles e chifres invadindo capitólio), no “Make America Grate Again” (que idealiza uma era que nunca existiu), no culto ao Império Russo e à Igreja Ortodoxa promovido por Putin. Está fortemente presente no Bolsonarismo no culto idealizado aos militares e à Ditadura, no sincretismo que junta evangélicos, católicos e judeus como se fossem a mesma coisa e na retórica idêntica ao nazismo.

Vários teóricos do pós-modernismo se aproximam, de maneiras distintas, dessa característica, defendendo abertamente a invenção da identidade individual a partir de fatores totalmente subjetivos e sem necessariamente tem relação com a realidade objetiva ou, quando ligados a esta, a partir de uma interpretação absolutamente subjetiva da realidade.

2. Rejeição do modernismo e da razão

Desprezo pelo método científico e valorização do “conhecimento intuitivo”. Eco identifica a glorificação da ignorância como estratégia: líderes não-intelectuais são vistos como “autênticos”. O iluminismo, a razão e a Ciência são classificados pelos ur-fascistas como mitos depravados da modernidade em nome do irracionalismo.

Essa é uma característica paradoxal, com a adoção seletiva de tecnologias modernas (armas, propaganda, redes sociais) enquanto se condena valores modernos (direitos humanos, pensamento crítico, pensamento científico).

Algumas correntes pós-modernas rejeitam a razão totalizante e o racionalismo iluminista, propondo uma fragmentação do conhecimento e uma valorização do irracionalismo como resistência ao pensamento dominante 5.

Aqui os exemplos são fartos também com o ataque às artes (consideradas degeneradas) e desprezo pela razão e pelo Iluminismo em quase todos os regimes autoritários europeus. O Nazismo inventou o termo bolchevismo cultural para estigmatizar os movimentos artísticos modernistas.

Exemplos contemporâneos

Exemplos contemporâneos também não faltam: o anti-intelectualismo explícito do bolsonarismo, que promove a desconfianças das universidades, cientistas e artistas, que são vistos por eles como “esquerdistas” ou “elitistas”. Mais ainda durante a pandemia de COVID, quando promoveu tratamentos anti-científicos e promoveu a desconfiança a métodos científicos, como a vacina.

Trump e Putin seguem uma linha parecida à de Bolsonaro com o negacionismo climático, a promoção da desconfiança acadêmica e a censura às artes.

Embora nem sempre tenha sido assim, o sionismo contemporâneo tem perseguido historiadores que questionam a narrativa oficial do Estado e taxa como “antissemitas” qualquer intelectual ou organização de direitos humanos que critique suas políticas de limpeza étnica, além, claro, de substituir qualquer razão secular pela narrativa mítica de “direito divino à terra”.

3. Culto à ação pela ação

Valorização da impulsividade e da violência como “purificação catártica”, com desprezo total pela reflexão crítica. Eco explica: a ação substitui a reflexão para evitar questionamentos morais. Marchas, uniformes e saudações criam teatralidade que transforma violência em espetáculo legitimado. O culto à violência é muito presente nos ataques a movimentos e indivíduos divergentes e até nas guerras promovidas por esses regimes.

Muito fortemente presente nos regimes de Mussolini, Hitler e Franco e no Integralismo. No caso do Salazarismo, foi menos teatral e mais estatal, principalmente nas Guerras Coloniais.

Exemplos contemporâneos

Trump segue nessa linha, como no uso de redes sociais para declarações calorosas que desprezam completamente especialistas e análises mais profundas (a recente taxação do Brasil em 50% é um exemplo crasso). Bolsonaro incentiva constantemente seus seguidores a ações impensadas, como os acampamentos no quartéis e a destruição promovida no 8 de janeiro. Sua retórica é recheada de ataques às instituições democráticas.

O sionismo é um caso à parte. Com uma cultura completamente militarizada em que o serviço militar é visto como um rito de passagem e expressão máxima da cidadania, exaltam ataques a civis, assassinatos, sequestros e estupros 6 7 8 9 como respostas legítimas e necessárias. Prevalece uma lógica da “ação antes da explicação”, com justificativas sendo construídas só após os ataques, mesmo diante de condenações de tribunais e organismos internacionais. A declaração de Jerusalém como capital indivisível de Israel e a transferência de embaixadas para a cidade são exemplos de ações simbólicas e políticas que ignoram acordos prévios e negociações multilaterais.

4. Intolerância à divergência

Estabelecimento de dogmas intocáveis e supressão total do debate plural, sintetizado no lema fascista “Credere, Obbedire, Combattere” (“Acreditar, Obedecer, Combater”) 10. Dissidentes são “traidores” não por ações, mas por pensamentos. Incentivo à delação comunitária, onde cidadãos monitoram a ortodoxia ideológica alheia.

Aqui os regimes fascistas históricos foram igualmente violentos. Prisão e execução de divergentes políticos, sejam socialistas, comunistas ou liberais e fechamento dos partidos; repressão religiosa e étnica contra ciganos, judeus, homossexuais, testemunhas de Jeová, evangélicos e outro grupos, que foram exterminados aos milhões. Livros foram queimados ou reescritos para exaltar o líder do regime e seus valores inventados e para demonizar qualquer pensamento divergente.

Exemplos contemporâneos

A Rússia, sob Putin, criou leis que criminalizam qualquer divergência e até qualquer sexualidade que não seja hétero. Protestos são violentamente reprimidos e opositores são presos ou assassinados, mídias independentes são fechadas. Trump tenta fechar universidades que, segundo ele, estariam infestadas de “maníacos marxistas”, encarcera e mata imigrantes aos milhares, inclusive crianças. Juízes, políticos (inclusive republicanos) são hostilizados, as imprensa e a ciência são criticadas e soterradas por fake news. A retóricade Bolsonaro é recheada de violência, com várias referências a “granadas”, “bombas” e “tiros” para calar opositores (“fuzilar a petralhada”), o que se traduziu em vários episódios de violência de seus seguidores e pelo menos um assassinato de um dirigente petista.

O sionismo mais uma vez corre em raia própria. Persegue autores (como Ilan Pappé, Norman Finkelstein ou Benny Morris) e jornalistas (como Gideon Levy ou Breno Altman) judeus que divergem da narrativa oficial, marginalizando-os e acusando-os de antissemitismo; debates sobre a Nakba são proibidos, silenciados ou deslegitimados em ambientes acadêmicos e políticos; as escolas são obrigadas a utilizar o material oficial, o ensino de perspectivas palestinas ou críticas ao sionismo é proibido e os livros escolares reforçam uma identidade judaica única homogênea, invisibilizando, mais uma vez, outras etnias judaicas não europeias (mizrahim 15, etíopes 11, indianos 12 etc.); judeus que se opõe ao sionismo, como os membros do Neturei Karta ou do Jewish Voice for Peace, são especialmente perseguidos e classificados como antissemitas e traidores, praticantes de “auto-ódio”. Palestinos cidadãos de Israel que criticam as ações do Estado ou defendem qualquer direito palestino são acusados de terrorismo e encarcerados. ONGs como B’Tselem e Breaking the Silence e até órgãos oficiais da ONU (como a UNRWA) que denunciam abusos contra palestinos, são atacadas publicamente, sofrem restrições legais e até ataques militares.

Desde o início da ofensiva contra Gaza em outubro de 2023, Israel já assassinou mais de 230 jornalistas, número maior que o de jornalistas mortos nas duas grandes guerras, Vietnã, Iugoslávia e Afeganistão somados 13.

5. Medo da diferença como eixo unificador

Racismo e xenofobia são usados como ferramentas de unificação, onde minorias são simultaneamente apresentadas como ameaças (justificando repressão) e inferiores biológicos (legitimando dominação). Regionalismos e dialetos são suprimidos em nome da “unidade nacional”.

No nazismo o medo da “diferença” foi canalizado para judeus, ciganos, homossexuais, comunistas e pessoas com deficiências físicas e cognitivas. Sua propaganda usava o antissemitismo como elemento central para unificar a população em torno da ideia da raça ariana superior e retratava judeus como ameaça à pureza, à economia e à segurança. Já Mussolini se concentrou no “medo do comunismo” para perseguir toda sorte de socialistas, judeus e outras minorias étnicas, exaltando a “raça italiana” e a tradição romana para excluir os “diferentes” e consolidar o poder no Estado. Usando o nacionalismo católico como ferramenta para excluir tudo o que fosse considerado “anti-espanhol”, Franco perseguiu catalães, bascos, comunistas, homossexuais e intelectuais de forma muito parecida com o Salazarismo.

Exemplos contemporâneos

Exemplos contemporâneos vão na mesma linha: Trump usa uma retórica anti-imigração e islamofóbica para mobilizar eleitores, cujo medo de mexicanos, muçulmanos, chineses, homossexuais e feministas foi central na criação da identidade. Já Bolsonaro direcionou seu séquito a temer o “comunismo”, “ideologia de gênero” e a “ameaça à família tradicional”. Minorias sexuais, indígenas, quilombolas, nordestinos, artistas e qualquer tipo de opositor ideológico (ainda que temporário) são retratados como “inimigos da Nação”, ao mesmo tempo que tenta criar uma identidade pró-EUA.

Já Israel criou uma identidade oficial que privilegia judeus ashkenazi 14, enquanto mizrahim 15 e Beta Israel 11, além de árabes e palestinos israelenses 16, enfrentam o Apartheid institucional. Mesmo os palestinos que são cidadãos israelenses são tratados como inimigos. O medo da “demografia palestina” é usado como argumento para impedir o retorno dos refugiados e para manter o controle dos territórios ocupados. A narrativa oficial retrata palestinos (mesmo crianças) como terroristas perigosos que ameaçam a existência e a segurança, justificando a política de massacre sistemático contra eles.

6. Apelo às frustrações das classes médias

Aqui os fascistas fazem uma alquimia política, transformando o ressentimento econômico em ódio identitário. Eco revela como crises reais são desviadas para perseguição simbólica a partir de uma narrativa de traição ou ameaça: “Elites corruptas”, “inimigos externos” e “perigo vermelho” são culpados pela decadência econômica, nunca o regime ou o Capitalismo.

Na Alemanha, após a crise de 1929, muitos membros da classe média perderam seus negócios, emprego e estabilidade. O Partido Nazista explorou esse medo e ressentimento, prometendo restaurar a grandeza nacional combatendo o “inimigo interno” (judeus, comunistas etc.).

Mussolini atraiu pequenos proprietários, funcionários públicos e comerciantes que temiam o avanço do socialismo e a instabilidade econômica, oferecendo uma visão de ordem, tradição e nacionalismo como antídoto à decadência moderna.

Na Espanha, após a Guerra Civil, Franco apelo à classe média conservadora e religiosa, prometendo estabilidade, valores tradicionais e combate ao comunismo. Apelo parecido com o de Salazar, em Portugal, que se apoiou nas classes médias rural e urbana com um discurso de valorização da autoridade, da religião e do nacionalismo. Na mesma linha agiram os integralistas brasileiros na década de 1930.

Exemplos contemporâneos

O trumpismo se apoia na classe média branca, em especial nas áreas industriais em declínio, mobilizando-os com a promessa do “America First”, de combate à imigração e de restauração dos empregos. Putin se apoia nas classes médias afetadas pela crise econômica, mafiozação da economia e perda de status após o fim da URSS, atraindo-os com um discurso nacionalista, conservador tradicionalista e de força estatal.

Bolsonaro também tem sua base política nas classes médias, frustradas com a corrupção, falta de segurança e temerárias de políticas sociais voltadas às classes mais pobres. Seu discurso de “ordem”, “família” e “antissistema” ressoa em quem se sente ameaçado pelas mudanças culturais e econômicas.

No caso do sionismo, as principais ondas de colonização foram das classes médias europeias e árabes, que migraram para o Estado de Israel em busca de segurança, identidade e ascensão social, acreditando na narrativa de “retorno à terra ancestral”. O Estado criou oportunidades de ascensão para essa classe média por meio do serviço militar, que praticamente é a única forma de alcançar cargos públicos ou em setores tecnológicos. Esses cargos são majoritariamente ocupados por judeus ashkenazi 14, que passaram a ver na presença de palestinos, mizrahim 15 e imigrantes africanos 11 como ameaça à sua posição social.

Fora de Israel, as dezenas de organizações sionistas pelo mundo mobilizam as classes médias de seus países com um discurso de auto-proteção e reafirmação identitária, oferecendo suporte, redes de influência e narrativas de pertencimento. Essas narrativas são reforçadas com a construção de bunkers e no apoio à criação e manutenção de grupos paramilitares, como o Betar 17, Magen Am 18, Shomrim 19, além de grupos de segurança internos, como o Departamento de Segurança Comunitária da Federação Israelita do Estado de São Paulo.

7. Obsessão com conspirações

Usando a paranoia como método, criam inimigos onipresentes mas invisíveis. Segundo a análise de Eco, teorias conspiratórias fornecem explicações simples para problemas complexos. O líder apresenta-se como único capaz de desvendar e combater “as tramas ocultas”. Essas narrativas conspiratórias não apenas alimentam o medo e a polarização, mas também legitimam ações autoritárias e repressivas. Elas criam uma realidade paralela onde qualquer crítica é vista como ameaça existencial.

Hitler propagou a ideia de uma conspiração judaico-comunista internacional, culpando os judeus pela derrota da Alemanha na Primeira Guerra Mundial e pela crise econômica. O regime usou os falsos Protocolos dos Sábios de Sião 20 para justificar o antissemitismo e o Holocausto. Já o fascismo italiano propagandeava uma conspiração internacional contra a Itália, envolvendo maçons, comunistas e judeus. A mesma conspiração era usada pelo franquismo, só que o alvo era, claro, a Espanha.

A versão portuguesa, de Salazar, usava uma pretensa ameaça comunista e maçônica contra a civilização cristã portuguesa. No Brasil, Getúlio Vargas usou o falso Plano Cohen 21 para justificar o golpe que deu origem à versão brasileira do Estado Novo.

Exemplos contemporâneos

A extrema-direita europeia propagandeiam o que chamam de “Grande substituição”, uma teoria racista que alega haver uma grande conspiração que usa imigrantes muçulmanos para substituir as populações europeias nativas. Outra narrativa recorrente é a Conspiração Globalista, em que as elites, presididas por George Soros, controlariam os governos e a mídia para destruir a soberania das nações.

Putin alega que há uma conspiração ocidental tentando destruir a cultura russa e a Ucrânia seria uma marionete nessa conspiração, o que justifica sua invasão.

Trump é mestre nas teorias conspiratórias: QAnon 4, Deep State 22 (uma versão da Conspiração Globalista) e a pretensa fraude eleitoral que levou à invasão do Capitólio. No Brasil, Bolsonaro também usa o Deep State como justificativa, mas seu arsenal é mais amplo: “ideologia de gênero” 23, “marxismo cultural” 24, “kit gay” 25, vacinas com chip, fraudes nas urnas eletrônicas…

Israel propagandeia a teoria de que a História prova que existe um ódio generalizado contra os judeus e que qualquer opositor (incluindo judeus) é sempre um antissemita e, portanto, um risco à segurança e a vida dos judeus. Universidades, movimentos pacifistas e veículos de imprensa que criticam Israel são acusados de fazer parte de uma conspiração chamada “agenda anti-Israel”.

8. Inimigo simultaneamente forte e fraco

Por um lado, o inimigo é apresentado como forte demais, poderoso, infiltrado, capaz de aniquilar a nação, a cultura e os valores. São uma ameaça existencial permanente, que justifica um estado permanente de emergência. Ao mesmo tempo, é descrito como degenerado, covarde, incapaz, moralmente inferior. Portanto, é fácil de derrotar, se houver “vontade nacional”. Isso assegura a vitória futura, mantendo esperança.

Essa contradição é extremamente funcional, pois permite justificar tanto o medo quanto o desprezo, legitimando ações violenta contra grupos que ao mesmo tempo são ameaças poderosas e alvos fáceis.

Os nazistas propagandeavam que judeus dominavam o sistema financeiro e ao mesmo tempo eram parasitas degenerados. Mussolini descrevia os comunistas com conspiradores perigosos, mas traidores sem honra. Franco acusava os republicanos de destruir a Espanha, ao mesmo temo em que eram desorganizados e imorais. O Salazarismo via liberais e comunistas como ameaças à ordem, mas decadentes e antinacionais. Para os integralistas brasileiros, judeus, maçons e comunistas eram líderes de uma conspiração global, mas corruptos e antiéticos.

Exemplos contemporâneos

O trumpismo retrata imigrantes latinos como poderosas ameaças à segurança nacional (traficantes, estupradores, invasores) mas também como preguiçosos que vivem de benefícios públicos. Para eles, a China é vista como uma superpotência que rouba os empregos e a tecnologia dos EUA, ao mesmo tempo em que é um país decadente e corrupto que precisa ser enfrentado. A mídia e as universidades são acusadas de manipular a opinião pública, mas são ridicularizadas como “choronas”.

Putin retrata a Ucrânia como uma ameaça real à existência da Rússia, manipulada pelo Ocidente. Ao mesmo tempo, seria um país frágil e decadente que precisa ser libertado.

O bolsonarismo retrata o comunismo como uma força global infiltrada nas escolas, igrejas, partidos e na mídia, mas também ultrapassada, ridícula e “chorona”. Os movimentos sociais são vistos como ameaças à propriedade privada e à ordem, mas retratados como baderneiros e vagabundos. As instituições da república (como o STF) são apresentados como conspiradores poderosos contra o povo e a liberdade, mas também como figuras desprezadas e desmoralizadas.

Já Israel retrata o povo palestino como terroristas organizados e perigosos ao mesmo tempo em que são um povo atrasado e incapaz de se autogerir. Críticos internacionais são classificados como parte de uma poderosa conspiração global, ao mesmo tempo que são ignorantes e irracionais. Judeus dissidentes são acusados de colaborar com a conspiração global ao mesmo tempo que são ridicularizados como irrelevantes.

9. Pacifismo é traição

Militarização da vida cotidiana, onde a guerra não é meio, mas fim em si mesma. Eco destaca que conflitos devem ser perpetuados para manter coesão social. Se traduz na máxima de Mussolini: “a guerra perpétua como norma”. Uma estética belicista, com uniformes, linguagem e hierarquias militares invadem a vida civil.

Nazistas, fascistas, franquistas e salazaristas afundaram seus países em guerras.

A estética militar foi largamente utilizada pelos vários grupos fascistas. Mussolini copiou os uniformes das tropas de assalto da elite do Regio Esercito na Primeira Guerra Mundial, o que fez os militantes fascistas ficarem conhecidos como Camisas Negras. Mesma cor de uniforme utilizado pela organização fascista britânica criada por Oswald Mosley, líder do Partido Novo.

Já os nazistas compraram o resto de uniformes que sobraram da Primeira Guerra e uniformizou as Sturmabteilung 26, que ficou conhecida como Camisas Pardas. Nos EUA, William Dudley Pelley fundou uma organização fascista e pró-nazista que ficou conhecida como Camisas Prateadas.

No México, a organização fascista e anticomunista Ação Revolucionária Mexicanista ficou conhecida como Camisas Douradas, enquanto os integralistas brasileiros eram os Camisas Verdes.

Exemplos contemporâneos

Trump critica abertamente a diplomacia, tratando as relações internacionais com violência. Por exemplo, rejeitou o acordo nuclear com o Irã e retratou a tentativa de um não-proliferação de armamento nuclear como rendição. Movimentos contra guerras são chamados de “antiamericanos” ou “traidores. O militarismo é retratado em sua retórica como prova de lealdade, enquanto o pacifismo é visto como ameaça à segurança. Grupos de apoio ao trumpismo, como os Proud Boys 27 e Oath Keepers 28 adotam uniformes táticos, coletes, óculos escuros e armamento pesado como parte de sua identidade, com exibições públicas de força com estética militar.

Na Rússia os críticos da guerra na Ucrânia são acusados de traição ou de colaboração e enclausurados. Pacifistas são presos ou exilados por se manifestarem contra a guerra. A narrativa oficial trata a guerra como um ato de legítima defesa.

Em Portugal, grupos neonazi, como o Grupo 1143 29 e o Armilar Lusitano 30, realizam treinamentos com armas reais e Airsoft, com estética militar explícita, reforçada pela presença de ex-militares que atuam como instrutores.

No Brasil, os bolsonaristas endeusam as Forças Armadas e o Regime Militar. Uniformes militares estão sempre presentes, com roupas camufladas, boinas, coturnos e insígnias. Seguidores inundam redes sociais portando armamento pesado. A política anti-pacifista se manifesta mais fortemente com o incentivo aos CAC 31, que envolve uma estética de uniformes camuflados, coletes táticos, insígnias militares e armamento ostensivo, mesmo em ambientes civis, reforçando uma imagem de “cidadão-soldado”, para quem o mundo é dividido entre aliados e inimigos. A narrativa bolsonarista promoveu os CAC como guardiões da liberdade e da família, associando o porte de armas à defesa contra o “inimigo interno”.

Como já dito antes, em Israel a sociedade é profundamente militarizada, com o serviço militar como principal porta de entrada para o serviço público e para os altos cargos empresariais. Colonos na Cisjordânia exibem uniformes militares, fuzis e postura militar como forma de afirmação territorial. Grupos paramilitares como o JDL 32, Lehava 33, Kach 34, Otzma Yehudit 35, Kahane Chai 36 e TAT 37 promovem ataques a minorias e judeus dissidentes em Israel e nos EUA, além de inundar as redes sociais posando com armamentos, símbolos e uniformes militares.

Essa estética também é muito presente entre os neopentecostais, como no caso do Gladiadores do Altar, ligado à Igreja Universal, que reúne jovens que marcham e batem continência, com uniformes, formação em fila, linguagem de guerra.

10. Elitismo populista

Simulando uma igualdade teatral, o líder finge ser “um do povo” enquanto estabelece hierarquias rígidas. Eco descreve o desprezo aristocrático pelas massas que idolatram o líder. A vontade popular só é válida quando coincide com interesses do poder, criando uma “democracia” seletiva e oportunista.

Os nazistas denunciavam intelectuais e judeus como a elite a ser combatida, enquanto exaltavam a “raça ariana” como elite biológica e cultural. Já Mussolini mobilizou as massas contra a elite parlamentar, enquanto incentivava o culto ao Duce e à elite militar. Já o populismo franquista se baseava na identidade nacionalista católica e no anticomunismo, enquanto defendia a elite tradicional, militar e religiosa como pilares da nação, retórica parecida com o salazarismo.

No Brasil, Vargas era propagandeado como “pai dos pobres”, enquanto um controle autoritário era exercido por uma elite burocráticas e intelectual ligada ao Departamento de Imprensa e Propaganda. Já os integralistas usavam uma retórica “anti-partido” enquanto defendiam uma elite espiritual e moral que guiaria o povo.

Exemplos contemporâneos

Ao mesmo tempo em que sua retórica é pelo combate às elites políticas e midiáticas, Trump incentiva o culto a si mesmo e à elite empresarial, vistos como salvadores da Nação. Já o bolsonarismo usa um discurso “antissistema”, contra a mídia e as instituições, mas sua narrativa mitifica Bolsonaro, os militares, religiosos e empresários como uma elite moral.

O Sionismo opera em uma linha parecida. Por um lado se coloca como um Estado para todo o povo judeu, mas por outro estabelece na prática que apenas judeus brancos são a elite intelectual, econômica, militar e política.

11. Culto à morte

Em uma estética de necrofilia política, a morte é idealizada como ato supremo de lealdade. Eco afirma que o sacrifício não serve a causa, mas ritualiza a submissão. Mártires tornam-se moeda de troca para legitimar novas exigências de sacrifício. Esse foi o tema central do concurso infantil vencido por Eco.

A Alemanha nazista exaltava o sacrifício pela pátria e pela raça ariana. A morte em combate era glorificada, e o regime promovia cerimônias fúnebres com forte carga simbólica para reforçar a ideia de martírio nacional. Mussolini cultivava o heroísmo e a morte como virtudes cívicas. O lema “Viva a morte!” era usado por falangistas e outros grupos fascistas como expressão de devoção ao Estado. Durante a Guerra Civil e o regime de Franco, o culto aos “caídos por Deus e pela Espanha” foi central na propaganda. Funerais militares e cerimônias públicas reforçavam a ideia de que a morte era um sacrifício redentor. O salazarismo e o integralismo brasileiros vinculavam o sacrifício e obediência à fé cristã.

Exemplos contemporâneos

A guerra na Ucrânia reacendeu o uso de símbolos de sacrifício e heroísmo militar na Rússia, com funerais públicos e homenagens aos soldados mortos.

O culto à morte faz parte da cultura dos EUA. Desde 1946 os EUA não tiveram nenhum período de paz, participando de várias guerras e conflitos diretamente com envio de tropas ou com apoio político ou fornecimento de armas: Segunda Guerra, Coreia, Vietnã, Baía dos Porcos, Granada, Panamá, Golfo, Bósnia, Afeganistão, Iraque, Síria, Iêmen, Ucrânia, Palestina, Somália, Níger e Sahel, além de manter 750 bases militares em 80 países. Ainda assim, o discurso polarizador e a negação da ciência durante a pandemia de COVID são interpretados como uma narrativa de desprezo à vida humana.

A retórica “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” é associada a uma exaltação da violência e da eliminação simbólica do “inimigo interno”, com raízes na Doutrina de Segurança Nacional da ditadura militar. A retórica Bolsonaro durante a pandemia de COVID (“gripezinha”, “não sou coveiro”, “morrer é o destino de todo mundo”, “país de maricas”, “tomar vacina e virar jacaré”, “Chega de frescura e mimi”) são sinais retumbantes do desprezo bolsonarista pela vida.

Israel criou o Yom HaZikaron como uma das datas mais solenes do país. A morte em combate é tratada como sacrifício sagrado pela pátria, com cerimônias públicas, sirenes e homenagens nacionais. A figura do soldado é central na cultura israelense, com presença constante em escolas, mídia e espaços públicos. Setores do sionismo religioso exaltam judeus mortos em atentados ou guerras como “kedoshim” (santos), elevando o sacrifício à dimensão espiritual. Em Israel, o culto à morte é ligado à construção de identidade nacional e à legitimação da violência estatal, mesmo que isso vá diametralmente contra o princípio judaico do pikuach nefesh (preservação da vida). A ofensiva contra a população palestina que começou em 2023 trouxe uma nova dimensão desse culto: soldados israelenses se vangloriam diariamente nas redes sociais das mulheres e crianças que assassinam, fotografam a si mesmos durante sessões de tortura e vilipendiando corpos de palestinos mortos.

12. Machismo armado

Repressão sexual como metáfora do controle social total e uma hipermasculinidade performática, com um culto à força física e à virilidade como substituto do poder político efetivo. Eco vincula o medo da “degeneração” à obsessão com a pureza racial.

Durante o nazismo as mulheres eram vistas como reprodutoras da raça e premiadas quando tinham muitos filhos, mas punidas por comportamentos considerados “imorais”. A homofobia era institucionalizada, gerando uma perseguição violenta a qualquer comportamento não normativo. O fascismo italiano exaltava a fertilidade como dever patriótico, excluindo as mulheres da vida pública, confinando-as no papel de mães e cuidadoras. Na Espanha franquista as mulheres eram guardiãs da moral católica, mas as mulheres republicanas sofriam estupros e humilhações institucionalizadas como punição política. O salazarismo subordinou a mulher ao marido, tornando-a legalmente incapaz de qualquer decisão, proibindo a educação formal, o direito à propriedade e até de viajar sem autorização do marido. O Estado Novo no Brasil seguiu na mesma linha, além de criminalizar o adultério feminino e o aborto.

Exemplos contemporâneos

Putin exalta uma “família tradicional russa” idealizada, onde o papel da mulher é limitado à maternidade e apoio ao Estado, se opondo ferozmente a qualquer ideia de igualdade de gênero, além da forte repressão à comunidade LGBTQIA+.

Trump apoia os retrocessos nos direitos reprodutivos, como o direito ao aborto, além de desqualificar qualquer pauta feminina e minimizar o assédio e a violência sexual. Sua retórica remete à masculinidade tóxica, com exaltação da virilidade como poder político.

Bolsonaro ficou famoso a partir de sua retórica misógina, com falas públicas que desqualificam as mulheres e as pautas feministas. Já se declarou contra que a mulher receba o mesmo salário que o homem para a mesma função. Usa uma retórica masculinista tóxica, com referências ao estupro e à exploração sexual de meninas, ao mesmo tempo em que alega se alinhar com religiosos e com uma moralidade sexual conservadora, apoiando a “família natural”, se opondo à educação sexual.

Israel propagandeia ser um paraíso para as mulheres, com garantias para as mulheres judias e com um terço do exército composto por mulheres. Por outro lado, esterilizou por anos as imigrantes judias da Etiópia, além de relatos de humilhação sexual contra mulheres palestinas em postos de controle e prisões. A violência sexual contra mulheres palestinas é visto com moralmente aceito 7, além de ser considerado uma arma de guerra válida 6 8 9. Mesmo quando são reportados, os casos de violência sexual não são investigados.

13. Populismo qualitativo

Líderes afirmam representar “o povo verdadeiro”, deslegitimando parlamentos e instituições democráticas 38. A vontade popular é reduzida a aclamações em comícios, nunca processos deliberativos, já que o indivíduo deixa de ter direitos individuas, e “o povo” para a ser concebido como uma entidade monolítica, com vontade única e compartilhada. Isso criando uma narrativa que justifica qualquer atitude do regime como “a vontade do povo”. A ideia de diversidade é ignorada e reprimida. A retórica apela à paixão, identitarismo e ressentimentos e nega a racionalidade.

Essa característica foi fortemente presente nos regimes fascistas históricos, mesmo com suas nuances. Mussolini se apresentava como único intérprete da vontade “do povo” e seu porta-voz absoluto. Na Alemanha, o conceito de povo era racializado e purificado e qualquer desvio da vontade do Führer era classificada como uma traição ao povo. Salazar promovia uma visão do português como um povo pobre e obediente, mas moralmente superior e alinhado aos valores cristãos, ignorando completamente a diversidade histórica do povo português.

Exemplos contemporâneos

Putin se apresenta como o defensor da “alma russa”, enquanto elimina mecanismo democráticos. Já Trump investe em uma retórica de “nós contra eles”, onde ele seria o único representante dos “verdadeiros americanos” e as “elites”, imigrantes e opositores são o inimigo comum.

Bolsonaro se refere frequentemente ao “povo de bem” e rejeita as instituições democráticas, como o STF e o Congresso, alegando que apenas ele representa os brasileiros “de bem”. Tal qual Trump, investe na comunicação direta com suas bases através das redes sociais, reforçando a retórica emocional e simbólica.

14. Novilíngua

Redução e empobrecimento do vocabulário para limitar a capacidade de pensar criticamente. Eco demonstra como slogans substituem argumentos e apelam à emoção. Adoção de uma “gramática do ódio”, com uso de adjetivos absolutos (“traidor”, “patriota”), verbos de ação sem objeto (“combater”, “eliminar”) e personificação de abstrações (“a Pátria exige”) e uma série de eufemismos.

O nazismo passou a adotar termos como “arte degenerada” para desqualificar a arte moderna, “sub-humanos” e “purificação” para justificar o genocídio, além da repetição incessante de slogans como “Um povo, um império, um líder”. O Franquismo utilizava “anti-Espanha” para desqualificar qualquer opositor, “paz franquista” para justificar a repressão violenta a dissidentes, “cruzada nacional” para justificar a guerra civil e “unidade nacional” para apagar as várias identidades regionais.

O salazarismo adotou “Deus, Pátria e Família” como slogan moralizador, “revolução nacional” para justificar a violência e a repressão e “Ordem e Progresso” como máscara para a censura e vigilância. Salazar e Getúlio Vargas compartilhavam o eufemismo “Estado Novo” para suas ditaduras.

Exemplos contemporâneos

Putin utiliza termos como “operação militar especial” para se referir à invasão da Ucrânia e “desnazificação” para justificar guerra. Opositores se tornaram “agentes estrangeiros” a repressão a homossexuais usa o código “tradição russa”. Já Trump usa “fake news” para desqualificar absolutamente qualquer crítica, “paz pela força” para justificar bombardeios a civis e “invasão” para se referir à imigração. Bolsonaro usa o “cidadão de bem” como rótulo moralizador, “ideologia de gênero” como espantalho político, “narrativa” como sinônimo de mentira, “Kit Covid” para medicamentos sem base científica. Além disso, os bolsonaristas classificam como “comunista” absolutamente qualquer divergência, inclusive da direita.

O Sionismo chama os bombardeios a populações civis de “autodefesa”, qualquer ação de resistência (mesmo não violenta) é chamada de “terrorismo”, “segurança nacional” é a justificativa da ocupação da Palestina e Líbano e “antissemitismo” é o rótulo para qualquer crítica ou discordância.

Distinções necessárias

Ao aplicar a lente do “Ur-Fascismo” de Umberto Eco aos fenômenos políticos contemporâneos, torna-se imperativo estabelecer distinções fundamentais entre o fascismo histórico institucionalizado, os movimentos neofascistas e outros autoritarismos com traços fascistóides. Cada manifestação autoritária emerge de contextos históricos, econômicos e ideológicos únicos, moldando sua natureza e expressão de formas distintas.

O fascismo clássico, tal como consolidado na Itália de Mussolini, Alemanha nazi, Espanha franquista e Portugal salazarista, caracterizou-se por rupturas violentas com a ordem democrática mediante golpes militares, marchas insurrecionais e suspensão constitucional. Estes regimes instituíram sistemas totalitários completos, eliminando fisicamente a oposição através de milícias paramilitares e aparelhos repressivos estatais, enquanto implementavam projetos radicais de engenharia social baseados em mitos de pureza racial ou unidade nacional monolítica. Sua base material assentava em modelos corporativistas autárquicos voltados para economias de guerra e controle absoluto sobre sindicatos e produção.

Em contraste, movimentos contemporâneos como o bolsonarismo e o trumpismo representam fenómenos distintos: acederam ao poder através de eleições democráticas e operaram, ainda que tensionando seus limites, sob constituições vigentes. Embora tenham promovido significativa erosão democrática através de ataques a instituições, cerceamento midiático e negação de resultados eleitorais, nunca estabeleceram ditaduras formais com o aparato totalitário dos regimes fascistas históricos. Economicamente, aliaram-se a oligarquias financeiras sob um neoliberalismo radical, distanciando-se do corporativismo estatal característico dos anos 1930-40.

O caso de Israel apresenta complexidade adicional que desafia categorizações binárias. Como Estado constituído, combina instituições democráticas formais com práticas autoritárias estruturais documentadas por organizações de direitos humanos: um sistema de apartheid contra palestinos, militarização social profunda e supremacia ashkenazi institucionalizada. A ascensão da extrema-direita sionista (com correntes como o Kahanismo 44 e Otzma Yehudit 35 ) introduziu elementos fascistóides no governo, ainda que dentro de um quadro que mantém formalidades democráticas. Economicamente, desenvolveu um modelo singular de tecnocracia belicista associada a colonialismo de assentamento, sustentado por instrumentos como a Lei do Estado-Nação 39.

É verdade também que os três movimentos tentaram, cada um de sua forma, destituir as instituições democráticas (Trump com a invasão ao Capitólio em 2021, Bolsonaro com a tentativa de Golpe de Estado após a eleição de 2022 e Netanyahu com a tentativa de golpe no judiciário em 2023). Em todos os casos as tentativas de derrubada do Estado Democrático foram reprimidas pelas próprias instituições, o que explicita que, mesmo com a ofensiva autoritária nos três casos, há uma oposição considerável disposta a defender a democracia.

Esta diferenciação não minimiza o perigo dos neofascismos contemporâneos, mas reconhece que sua manifestação varia conforme três eixos cruciais: o grau de institucionalização (regimes consolidados versus movimentos de erosão democrática), o contexto gerador (pós-Primeira Guerra versus globalização pós-verdade) e a dinâmica de poder (projetos revolucionários versus ocupação de instituições versus colonialismo de assentamento). Como Umberto Eco alertava, o fascismo eterno é um “quebra-cabeça” adaptável e identificar seus fragmentos nas novas roupagens do autoritarismo exige precisão analítica, não equiparações simplistas. A vigilância permanente contra essas ameaças depende justamente de compreender suas especificidades históricas sem perder de vista os padrões recorrentes que as unem.

Há outros exemplos de autoritarismo não analisados neste texto, como a Turquia sob Erdoğan e a Hungria sob Orbán, além do autoritarismo religioso, como o Irã e Afeganistão, monarquias autoritárias, como a Arábia Saudita e os partidos neofascistas europeus, como os portugueses Chega e o PNR/Ergue-te.

Também há que se ter claro que nem todo regime autoritário é fascista e mecanismos de opressão, como a militarização e o controle midiático não são exclusivos do fascismo.

Uma objeção materialista

A fragilidade central do Ur-Fascismo está em desvincular a ascensão autoritária das contradições do capital. Enquanto privilegia dimensões psicológicas e culturais, Eco ignora que o fascismo emerge de crises orgânicas do capitalismo, onde a burguesia recorre ao autoritarismo para preservar seu domínio de classe. Esta lacuna analítica torna-se evidente ao contrastar três modelos econômicos autoritários:

Fascismo histórico e seu corporativismo estatal

Nos regimes de Mussolini e Hitler, implementou-se um corporativismo estatal que suprimia lutas de classes através do controle estatal sobre sindicatos e produção. O Estado mediou conflitos capital-trabalho para viabilizar economias de guerra autárquicas, integrando patrões e operários em estruturas verticalizadas. Este modelo respondia a crises de acumulação capitalista através da industrialização belicista e do controle férreo do mercado, características ausentes na análise superestrutural de Eco.

Neofascismo liberal (Trump/Bolsonaro)

Trump e Bolsonaro representam uma fusão paradoxal: retórica nacionalista-populista aliada a agendas econômicas liberalizantes. Enquanto mobilizavam as classes médias ressentidas com discursos antissistema, promoviam desregulamentações financeiras, privatizações e ataques a direitos trabalhistas. Sua aliança com oligarquias transnacionais (agronegócio, indústria bélica) revela um projeto de acumulação baseado na financeirização e na precarização laboral, distanciando do corporativismo estatal dos anos 1930. Esta é uma “contrarreforma capitalista” que utiliza o autoritarismo não para revolucionar a economia, mas para aprofundar a exploração neoliberal.

Colonialismo de assentamento israelense

O caso israelense expõe outra limitação da tipologia de Eco: a incapacidade de capturar o colonialismo de assentamento como projeto econômico. A ocupação da Palestina opera através de “acumulação por expropriação”: confiscos de terras, controle de recursos hídricos e exploração de mão de obra palestina racializada sustentam 15% do PIB israelense. Empresas de tecnologia militar e agronegócio lucram com a ocupação, enquanto investimentos globais financiam infraestruturas coloniais. Esta economia de apartheid, onde judeus ashkenazi dominam a elite e palestinos são confinados a bantustões, constitui uma forma contemporânea de fascismo enraizada no expansionismo territorial capitalista, uma dimensão ignorada por Eco ao tratar o fenômeno como mera “síndrome cultural”.

A tarefa infinita da liberdade

A advertência de Umberto Eco sobre o “fascismo eterno” como fenômeno adaptável mantém urgência profética: a liberdade exige vigilância constante contra discursos de ódio que vestem trajes contemporâneos. Contudo, essa luta é incompleta sem a crítica materialista marxista, que expõe as bases econômicas por trás da ascensão autoritária.

O fascismo histórico corporativista (Mussolini/Hitler), o neofascismo neoliberal (Trump/Bolsonaro) e o colonialismo sionista (Israel) compartilham um núcleo comum: instrumentalizam crises do capital para consolidar projetos de acumulação. Enquanto o corporativismo dos anos 1930 estatizava conflitos de classe para salvar o capitalismo em colapso, o neoliberalismo atual mobiliza retórica antissistema para intensificar a pilhagem transnacional: privatizando direitos, precarizando trabalho e financiando milícias. Já o colonialismo israelense revela como o genocídio palestino alimenta uma economia de apartheid, onde expropriação territorial e tecnologia bélica geram lucro para oligarquias globais.

Aqui reside a síntese dialética entre Eco e Marx:

  • Vigilância cultural (Eco): Desmontar a “gramática do ódio”, o culto à morte e as teorias conspiratórias que Eco tão bem diagnosticou;
  • Combate material (Marx): Desarticular as alianças Estado-capital que sustentam esses projetos, taxando riqueza oligárquica, fortalecendo sindicatos e apoiando lutas anticoloniais.

A tarefa infinita da liberdade, portanto, é dupla: dissipar as névoas fascistas na cultura e desmantelar suas fundações econômicas. Como ecoou Pappé sobre Gaza, “o genocídio é a fase final de um projeto de acumulação”. Romper esse ciclo exige unir o alerta semiótico de Eco à radicalidade materialista: pois apenas assim se cumpre o imperativo ético: jamais normalizar os fragmentos do fascismo que insistem em assombrar o presente.

Leia também:
Neofascismo e Israel: colonialismo, militarização e a nova extrema-direita

Notas e referências


  1. ECO, Umberto. Ur-Fascismo. The Anarchist Library. 1995. ↩︎ ↩︎ ↩︎
  2. FRAZÃO, Dilva. Biografia de Umberto Eco. E-biografia. 5 jan. 2023. ↩︎
  3. CASANOVA, Vera. Há 90 anos nascia o filósofo e escritor italiano Umberto Eco. UFMG. Belo Horizonte: 31 jan. 2023. ↩︎
  4. QAnon é uma teoria da conspiração de extrema-direita que surgiu nos Estados Unidos em 2017. Ela afirma, sem evidências, que existe uma cabala secreta formada por políticos, celebridades e empresários que praticariam crimes como abuso infantil e adorariam Satanás. Afirma, ainda, que Donald Trump é o único capaz de salvar os estadunidenses. ↩︎ ↩︎
  5. ALMEIDA, Antônio Lúcio Campos. Pós-modernismo, pós-estruturalismo e nova história: a recusa da razão totalizante. Pro-Posições, v. 8, n. 2, p. 85–87, mar. 1999. ↩︎
  6. Ex-membro da inteligência militar de Israel defende estuprar as mulheres palestinas. Livre Pensamento. 24 jul. 2014. ↩︎ ↩︎
  7. AGORIST, Matt. Novo rabino-chefe do exército israelense diz que soldados podem estuprar mulheres árabes para elevar a moral. Livre Pensamento. 19 jul. 2016. ↩︎ ↩︎
  8. NAÇÕES UNIDAS. Erosão das leis internacionais ameaça humanidade, diz alto comissário da ONU. ONU News, 10 jun. 2025. ↩︎ ↩︎
  9. SILVA, Junio. Israel usou violência sexual como arma de guerra em Gaza, denuncia ONU. Metrópoles, 13 mar. 2025. ↩︎ ↩︎
  10. EDITORA ALBATROZ. Umberto Eco: Vida, obra e contribuições. Editora Albatroz. 2023. ↩︎
  11. Beta Israel se refere à etnia judaica negra com origem no norte e noroeste da Etiópia. São tratados ofensivamente por Falashas (estrangeiros). O Estado de Israel só admitiu o “direito ao retorno” desses judeus em 1977, mas impôs às mulheres que chegavam ao seu território uma esterilização forçada e sem consentimento 40. ↩︎ ↩︎ ↩︎
  12. Os Bene Israel são uma comunidade judaica originária da Índia, especialmente da região de Bombaim, cuja tradição afirma descender de sete casais judeus que sobreviveram a um naufrágio na costa de Konkan. Por séculos, viveram isolados, mantendo práticas como o Shabat, a circuncisão e a oração Shemá, embora tenham perdido o hebraico e outras tradições. Foram chamados de Shanivar Teli (“prensadores de óleo de sábado”) por sua ocupação e respeito ao sábado. A partir do século XVIII, migraram para Bombaim e, após a criação do Estado de Israel, muitos se estabeleceram lá. Hoje, os Bene Israel mantêm uma identidade única, combinando elementos judaicos e culturais indianos. ↩︎
  13. Israel’s war on Gaza deadliest conflict ever for journalists, says report. Al Jazeera. 2 abr. 2025. ↩︎
  14. Ashkenazi se refere ao grupo étnico-religioso judaico com raízes na Europa Central e Oriental, principalmente Alemanha, Áustria, Hungria, República Checa, Polônia e Ucrânia. Assim como os outros grupos étnicos judaicos, tem língua (o Yiddish) e tradições próprias. Há tensões históricas com outros grupos europeus, como os Sefaradi (judeus da Península Ibérica) e Romaniotes (judeus gregos), com relatos de preconceitos e reivindicações de superioridade cultural. Em Israel, os Ashkenazi representam a elite econômica e política, ocupando os principais cargos militares, políticos e empresariais. ↩︎ ↩︎
  15. Mizrahim (que significa “orientais”) é um termo usado grosseiramente para designar os judeus árabes, mas foi criado pela Agência Judaica para a Terra de Israel para juntar em um só grupo todas as etnias de judeus do Oriente Médio, Ásia Central, norte da África e Cáucaso, ignorando completamente suas diferenças étnicas, de língua e costumes. ↩︎ ↩︎
  16. Embora cerca de 20% da população de Israel seja composta por árabes e palestinos com cidadania israelense, essa minoria enfrenta uma série de barreiras legais e estruturais que os colocam em posição de cidadãos de segunda classe. Leis como a do Estado-Nação 39 consolidam uma estrutura de discriminação institucionalizada. Muitos árabes israelenses vivem em áreas periféricas, recebem salários inferiores e têm acesso limitado a serviços públicos, enquanto enfrentam obstáculos legais para se reunirem com familiares palestinos da Cisjordânia ou Gaza. Essa realidade contradiz o princípio democrático do Estado e reforça acusações de apartheid legalizado por parte de organizações internacionais e especialistas em direitos humanos. ↩︎
  17. Betar é um movimento juvenil sionista fundado por Ze’ev Jabotinsky. Historicamente, era ligado ao fascismo europeu, recebendo apoio de Mussolini na década de 1930. Ainda hoje realiza treinamentos militares em países como França e Reino Unido. Em março de 2025 ameaçou assassinar a Relatora Especial da ONU, Francesca Albanese 41. ↩︎
  18. Magen Am é um grupo de segurança privada que recruta veteranos do exército israelense e promove treinamento armado, atuando em Los Angeles, Phoenix e Orange County. Está envolvido em ações violentas contra manifestantes pró-palestina nas universidades estadunidenses. ↩︎
  19. Shomrim é uma rede de patrulhas judaicas que opera em Nova Iorque, Londres, Sydney e Antuérpia. Alegam ser voluntários de segurança comunitária, mas estão envolvidos com uso de violência excessiva e encobrimento de crimes, como no caso de Jacob Daskal, seu líder em Nova Iorque, que acabou por ser condenado por estupro de uma menina de 15 anos 42. ↩︎
  20. Os Protocolos dos Sábios de Sião é um texto antissemita que alega haver uma grande conspiração de judeus e maçons com o objetivo de dominar o mundo através da destruição dos valores ocidentais. O texto é claramente uma falsificação e um plágio da obra satírica Diálogo no Inferno entre Maquiavel e Montesquieu de Maurice Joly, mas continua sendo usada por neofascistas até hoje. ↩︎
  21. O Plano Cohen foi um documento falso divulgado em 1937 pelo governo de Getúlio Vargas, que alegava a existência de um plano comunista para tomar o poder no Brasil. A fraude foi criada por Olympio Mourão Filho 43, membro da Ação Integralista Brasileira (AIB) e descrevia uma série de ações como greves, incêndios, saques e assassinatos de autoridades, alegando que seriam organizadas por comunistas. Foi usado como desculpa para cancelar as eleições de 1938, fechar o Congresso, extinguir os partidos e suspender as liberdades civis. A Constituição de 1934 foi anulada, o que inaugurou o período ditatorial que ficou conhecido como Estado Novo. ↩︎ ↩︎
  22. Deep State (Estado profundo) é uma teoria conspiratória que afirma que existe uma rede oculta de poder dentro dos governos, formada por burocratas, militares, agentes de inteligência e empresas privadas que teria tanta influência nas decisões seria o corpo governante de facto (mas não de jure) do mundo. ↩︎
  23. Ideologia de gênero se refere à teoria da conspiração difundida por setores conservadores e religiosos que alegam existir um plano global para destruir a “família tradicional”. ↩︎
  24. Marxismo cultural se refere a uma teoria da conspiração propagada pela extrema direita que alega que intelectuais marxistas, especialmente da Escola de Frankfurt, estariam promovendo uma suposta guerra cultural para destruir os valores ocidentais e cristãos. Com raízes no antissemitismo nazista, essa teoria atribui a judeus e pensadores progressistas a responsabilidade por mudanças sociais como o feminismo, os direitos LGBTQIA+ e o multiculturalismo, embora não haja qualquer base acadêmica que comprove sua existência como plano coordenado. ↩︎
  25. O termo “kit gay” foi uma distorção usada politicamente para atacar um projeto educativo chamado Escola sem Homofobia, que visava combater a homofobia nas escolas. Apesar de nunca ter sido distribuído qualquer material, o termo gerou desinformação e virou símbolo de uma narrativa contrária à diversidade sexual e de gênero. ↩︎
  26. Sturmabteilung (tropas de assalto) ou SA era a divisão paramilitar do Partido Nazista. Suas ações incluíam ataques a partidos opositores, sindicatos, ciganos e judeus. ↩︎
  27. Os Proud Boys são um grupo de extrema-direita, exclusivamente masculino, conhecido por promover violência política e ideias antidemocráticas. Surgiram em 2016 e se alinharam ao trumpismo ao apoiar Donald Trump, especialmente durante sua campanha e após a derrota nas eleições de 2020. O grupo esteve envolvido na invasão ao Capitólio em 2021 e usou declarações ambíguas de Trump como incentivo à ação. ↩︎
  28. Os Oath Keepers são uma milícia de extrema-direita dos Estados Unidos, fundada em 2009 por Stewart Rhodes, composta majoritariamente por ex-militares e policiais. O grupo se define como defensor da Constituição, mas promove uma visão conspiratória e antigovernamental, incentivando seus membros a desobedecer ordens que considerem inconstitucionais. Tornaram-se conhecidos por sua atuação armada em protestos e, principalmente, por seu envolvimento direto na invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, o que levou à condenação de Rhodes por conspiração sediciosa. ↩︎
  29. O Grupo 1143 é uma organização neonazista portuguesa ligada ao etnonacionalismo e à extrema-direita, fundada por Mário Machado, figura central do movimento skinhead no país. Originado de uma facção da torcida Juventude Leonina, o grupo promove discursos de ódio, xenofobia e islamofobia, tendo histórico de envolvimento com violência, vandalismo e crimes como discriminação racial, posse ilegal de armas e incitação à violência. Mário Machado, seu principal líder e porta-voz, já foi condenado por diversos crimes e cumpre pena por incitar ódio contra mulheres de esquerda. ↩︎
  30. O Movimento Armilar Lusitano é um grupo neonazista português fundado em 2018, que ganhou notoriedade por promover ideologias de extrema-direita, antissistema e xenofóbicas. Em junho de 2025, foi desmantelado pela Polícia Judiciária na operação “Desarme 3D”, após investigações revelarem planos de ações terroristas, incluindo uma possível invasão ao Parlamento. O grupo mantinha uma milícia armada, utilizava tecnologia de impressão 3D para fabricar armas e reunia membros ligados às forças de segurança. Também mantinha vínculos ideológicos com o Grupo 1143 e outros movimentos extremistas europeus. ↩︎
  31. CAC (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) são civis autorizados a possuir armas no Brasil. Durante o governo Bolsonaro, houve uma ampla flexibilização nas regras para CAC, o que levou ao crescimento explosivo de registros e arsenais privados. Essa política foi usada por setores bolsonaristas para formar uma base armada ideológica, com tentativas de transformar CAC em milícias alinhadas ao movimento. Com o afrouxamento da fiscalização, muitos CAC passaram a abastecer o crime organizado com armas e munições, tornando-se a principal fonte de material bélico para facções criminosas. ↩︎
  32. Jewish Defense League (liga de defesa judaica) ou simplesmente JDL é um grupo de extrema-direita fundado em 1968 por Meir Kahane 44, com o objetivo declarado de proteger judeus contra o antissemitismo. No entanto, tornou-se conhecido por promover violência política, incluindo atentados, assassinatos e agressões contra árabes, muçulmanos e judeus progressistas. O grupo foi classificado como organização terrorista pelo FBI e seus membros estiveram envolvidos em crimes como o assassinato de Alex Odeh. ↩︎ ↩︎
  33. O Lehava (LeMeniat Hitbolelut B’eretz HaKodesh – Prevenção de Assimilação na Terra Santa) é um grupo extremista israelense ligado ao kahanismo 44, conhecido por promover ações contra casamentos entre judeus e não judeus, além de incitar ódio contra árabes, cristãos e judeus progressistas. O grupo atua com campanhas de intimidação, vandalismo e discursos racistas, sendo acusado de envolvimento em crimes de incitação à violência, discriminação religiosa e ataques a minorias. Embora não seja oficialmente classificado como organização terrorista, suas ações têm sido condenadas por entidades de direitos humanos. ↩︎
  34. O Kach foi um partido político israelense fundado por Meir Kahane, baseado na ideologia kahanista 44, que defende a supremacia judaica, a expulsão de árabes de Israel e a criação de um Estado teocrático. Após o assassinato de Kahane em 1990, o grupo continuou ativo sob diferentes nomes, como Kahane Chai 36 e foi responsável por incitação ao ódio e atentados terroristas, incluindo o massacre de Hebron em 1994, cometido por Baruch Goldstein, um simpatizante do movimento. O Kach foi oficialmente banido de participar das eleições israelenses e classificado como organização terrorista por Israel, Estados Unidos, Canadá e União Europeia. Embora o Kach não opere abertamente, seus ex-membros e simpatizantes mantêm redes informais, promovem discursos de ódio e participam de ações violentas, sobretudo em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia. A atuação atual é mais clandestina e ideológica, mas ainda representa uma ameaça à convivência democrática e aos direitos de todos os povos não brancos. Seus simpatizantes tem cadeiras no parlamento israelense e membros nos altos escalões do governo. ↩︎ ↩︎ ↩︎
  35. O Otzma Yehudit é um partido político israelense de extrema-direita, fundado em 2012, com raízes na ideologia kahanista 44. Defende o nacionalismo judaico, é conhecido por posições antiárabes e promove políticas de supremacia judaica. Seu líder, Itamar Ben-Gvir, é ex-membro do grupo banido Kach 34 e atualmente integra a coalizão governista de Israel. ↩︎ ↩︎
  36. O Kahane Chai (Kahane vive) foi um grupo extremista israelense fundado por Binyamin Kahane, filho de Meir Kahane, após o assassinato do pai em 1990. Derivado do partido banido Kach 34, o movimento manteve a ideologia kahanista 44. Atuando sobretudo em assentamentos da Cisjordânia, como Qiryat Arba e Kfar Tapuach, o grupo esteve envolvido em incitação ao ódio, violência política e atentados, sendo classificado como organização terrorista por Israel, Estados Unidos, União Europeia e outros países. Embora tenha perdido força após a morte de Binyamin Kahane em 2000, sua doutrina continua viva em grupos atuais como o Lehava e no partido Otzma Yehudit, que hoje integram o governo de extrema-direita israelense. ↩︎ ↩︎
  37. Terror Against Terror (ou TNT) foi um grupo militante judeu extremista ativo em Israel nos anos 1980, fundado por seguidores de Meir Kahane e ligado à ideologia kahanista 44. O grupo defendia abertamente o uso do terrorismo contra os árabes, realizando ataques violentos contra palestinos, incluindo vandalismo, atentados com granadas e tiroteios. Seus membros eram, em grande parte, colonos judeus-americanos radicados em Hebron, muitos com histórico na Jewish Defense League 32 e no partido Kach 34. O TNT foi responsável por diversos crimes, como o ataque a um ônibus de trabalhadores palestinos em 1984, e é considerado precursor de outras organizações extremistas judaicas ligadas ao kahanismo. ↩︎
  38. RUZ COMAS, Sonia. Umberto Eco: biografía de este escritor, filósofo y semiólogo. Psicología y Mente. 11 ago. 2023. ↩︎
  39. A Lei do Estado-Nação, aprovada em 2018, é considerada por muitos especialistas e organizações de direitos humanos como uma das bases legais do apartheid em Israel. Ao declarar que apenas judeus têm direito à autodeterminação nacional, rebaixar o status do árabe como idioma oficial e incentivar assentamentos exclusivamente judaicos, a lei institucionaliza a supremacia étnica e a discriminação sistemática contra minorias, especialmente os palestinos cidadãos de Israel. Essa estrutura jurídica reforça um modelo de etnocracia, onde direitos coletivos são garantidos apenas a um grupo, enquanto outros são relegados a uma cidadania de segunda classe. Líderes palestinos e juristas internacionais apontam que essa legislação consolida práticas que se assemelham ao apartheid sul-africano, ao negar igualdade plena e promover segregação legalizada. ↩︎ ↩︎
  40. ROLIM, Maria Luiza. Israel impõe controlo da natalidade a judeus etíopes. Expresso. 30 jan. 2013. ↩︎
  41. TRT – Türkiye Radyo Televizyon Kurumu. Radical Zionist group Betar threatens to blow up UN’s Francesca Albanese. Youtube. 17 mar. 2025. ↩︎
  42. MOYNIHAN, Colin. Brooklyn Safety Patrol Leader Who Abused Girl Gets 17-Year Sentence. The New Yourk Times. 11 out. 2023. ↩︎
  43. O general Olímpio Mourão Filho teve uma relação direta com o fascismo ao integrar a Ação Integralista Brasileira (AIB) nos anos 1930, movimento inspirado no fascismo europeu, especialmente no de Mussolini. Como chefe do serviço secreto da AIB e organizador da milícia integralista, Mourão aplicou sua formação militar para estruturar o braço paramilitar do grupo, defendendo ideias como nacionalismo autoritário, anticomunismo, corporativismo e a centralidade de Deus, Pátria e Família. Foi ele quem redigiu o Plano Cohen 21. Décadas depois, em 1964, liderou o início do golpe militar que instaurou outra ditadura no Brasil. Embora tenha se distanciado formalmente do integralismo após a Segunda Guerra, suas ações revelam uma trajetória marcada por afinidade com ideologias autoritárias e nacionalistas, com raízes no fascismo. ↩︎
  44. O kahanismo é uma ideologia judaica extremista criada por Meir Kahane, que defende a supremacia judaica em Israel, a expulsão forçada de árabes e a criação de um Estado teocrático baseado na Halakha (lei religiosa judaica). Racista e antidemocrático, o kahanismo foi formalmente banido por Israel e pelos EUA, mas continua influente em grupos como Kach, Kahane Chai e Lehava e seus seguidores ocupam cargos centrais no governo de Israel. Kahanistas estiveram envolvidos em atentados terroristas, como o massacre de Hebron em 1994, além de promovem ações violentas contra palestinos, muçulmanos e judeus progressistas em várias partes do mundo. ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎ ↩︎

3 pensamentos sobre “Ur-Fascismo: a vigilância perpétua de Umberto Eco contra o autoritarismo

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