O texto a seguir foi extraído do livro Autobiographical Notes (ISBN 0812691792), produzido a partir de escritos de Einstein e traduzidos para o inglês por Paul Arthur Schilpp.
Estas notas foram a única tentativa de Einstein de fazer um rascunho de sua própria história e de suas percepções na juventude e do que o levou à ciência. É o testemunho de um homem que nunca se dobrou e se manteve crítico por toda a sua vida.
Neste trecho, o físico alemão discorre sobre sua descoberta do pensamento materialista, crítico e científico: o livre pensamento.
Há uma edição em português, da Nova Fronteira (ISBN 852091344x). Vale a pena.
Quando eu era um jovem razoavelmente precoce, fiquei completamente impressionado com a futilidade das esperanças e lutas perseguidas incansavelmente pela maioria dos homens por toda a vida. Além disso, logo descobri a crueldade dessa busca, que naqueles anos era muito mais cuidadosamente encoberta pela hipocrisia e por palavras brilhantes do que é o caso hoje. Pela simples existência de seu estômago todos estavam condenados a participar dessa caçada. O estômago pode muito bem ser satisfeito por tal participação, mas não o homem, na medida em que ele é ser que pensa e sente.
A primeira fuga foi a religião, que é implantada em todas as crianças pela máquina da educação tradicional. Assim eu vim – embora filho de pais completamente não religiosos (judeus) – a me tornar um profundo religioso, o que, aliás, acabou abruptamente aos doze anos. Através da leitura de livros científicos populares, eu logo atingi a convicção de que a maioria das histórias da Bíblia não podia ser real. A consequência foi orgia positivamente fanática de livre pensamento combinada com a impressão de que a juventude é decididamente enganada pelo Estado, com mentiras. Foi um sentimento esmagador. A desconfiança de qualquer tipo de autoridade surgiu dessa experiência, uma atitude cética para com as convicções que estavam vivas em qualquer ambiente social específico – uma atitude que nunca mais me deixou, mesmo que, mais tarde, isso tenha sido amenizado por uma melhor visão sobre as conexões causais.
É muito claro para mim que o paraíso religioso da juventude, que foi, assim, perdido, foi uma primeira tentativa de me libertar das cadeias do “meramente pessoal”, de uma existência dominada por desejos, esperanças e sentimentos primitivos. Fora dali havia um mundo enorme, que existe independentemente de nós, seres humanos, e que está diante de nós como um grande, eterno enigma, pelo menos parcialmente acessível à nossa investigação e pensamento. A contemplação deste mundo acenava como uma libertação, e eu logo notei que muitos dos homens a quem eu aprendi a admirar e estimar encontraram liberdade interior e segurança nessa busca. A compreensão mental do mundo extra-pessoal dentro do quadro das nossas capacidades se apresentou à minha mente, meio conscientemente, meio inconscientemente, como um objetivo supremo. Homens motivados de maneira similar no presente e no passado, bem como as percepções que alcançaram, eram os amigos que não podiam ser perdidos. A estrada para esse paraíso não era tão confortável e atraente como o caminho para o paraíso religioso, mas mostrou-se confiável, e eu nunca me arrependi de o ter escolhido.
Fonte: The Virtual Library of Reason
Tradução: Maurício Sauerbronn de Moura