Marielle Franco: executada como “aviso” político. Escolhida por ser mulher, negra e favelada.

* Samara Azevedo

Segundo o Atlas da Violência de 2017, um jovem negro no Brasil tem 2,6 mais chances de ser assassinado que um jovem branco. A cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras.

Marielle era negra e pobre.

4.621 mulheres foram assassinadas no Brasil no ano de 2015. 18 mulheres foram  assassinadas em Portugal de janeiro a novembro de 2017. Em um dia e meio de Brasil, mulheres são mortas na proporção que Portugal mata quase o ano todo.

Marielle era mulher.

Mas Marielle não foi morta apenas pela dose pessimista das expectativas de vida somadas referentes aos grupos identitários a que pertencia. Marielle foi morta
porque ousou.

Mãe solteira aos 19 anos, Marielle tinha um futuro pouco promissor à sua frente. Mas a “cria da Maré”, como se autodenominava, ousou. Cursou o pré-vestibular comunitário e, na virada do século, virou o seu destino e ingressou no ensino superior na PUC (Pontifícia Universidade Católica), no curso de Ciências Sociais. Diante da realidade de ser periférica em uma das universidades mais caras do país, no meio do confronto de realidades, Marielle iniciou sua militância logo após perder uma amiga, vítima de bala perdida, em um tiroteio entre a polícia e traficantes do Complexo de Favelas da
Maré.

Sua militância resultou na longa parceria com Marcelo Freixo, militante do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), desde sua primeira campanha em 2006. E com Freixo esteve em 2008 durante a CPI (Comissão Parlamentar de Investigação) das  mílicias, que indiciou 288 nomes políticos, policiais entre outros. Freixo sofreu diversas ameaças durante esse período e chegou a recorrer ao uso de segurança pessoal.

Marielle foi candidata pela primeira vez à Câmara de Vereadores da cidade do Rio de Janeiro pelo PSOL, onde venceu e assumiu seu cargo em 2016, alcançando a marca expressiva de ser a quinta mais votada.

E o que isto tem a ver com o golpe?

O golpe de 2015 fragilizou não apenas as organizações politico-partidárias de esquerda e  estrutura de governo. Fragilizou também outras relações institucionais de poder. Somados ao genocídio da juventude negra brasileira, à repressão dos moradores das  periferias e à instabilidade e descrença política, o carnaval no Rio de Janeiro, reconhecido pela capacidade de fazer festa, retornou às suas origens críticas e se tornou  um dos mais ácidos dos últimos tempos, frente ao desgosto da sucessão de tragédias anunciadas desde a deposição da presidenta eleita Dilma Rousseff.

E o oportunista presidente, viu neste lugar a possibilidade de se promover. O Vampirão ilegítimo forjou, com ajuda da imprensa, um suposto caos de violência durante o carnaval do Rio, e instaurou a intervenção militar federal no Estado, retirando do Governador o controle da segurança pública, e o designou ao Exército.

Marielle, que já denunciava a ação truculenta da Polícia Militar no trato com a periferia há anos, cometeu talvez o seu pecado mortal, um post no Twitter, no dia 13 de março deste ano, um dia antes de sua execução: “Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. […] Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”

Marielle foi executada com 4 tiros em sua cabeça, na região central do Rio de Janeiro, às 21 horas do dia 14 de março. Não houve a menor preocupação em camuflar o crime numa tentativa de assalto. Marielle não teve o privilégio de ser ameaçada. Marielle foi morta porque mulher, negra, pobre e favelada dá para matar, é vida descartável.

Marielle foi um “aviso” para os da comunidade: “Continuem aí sem dar trabalho e não queiram ocupar outros espaços”. Mas também foi um “aviso” pra burguesia: “Se mantenham bem quietinhos. Hoje é ela, que é menos importante, mas amanhã podem ser vocês.”

As balas que mataram Marielle já foram identificadas. Eram do lote uZZ-18, vendido à Polícia Federal no Distrito Federal em 2006. quem será que matou Marielle?


* Samara Azevedo é atriz, performer multimedia, mestranda da Faculdade de Belas Artes e ativista do Coletivo Andorinha

Fonte: Azevedo, Samara. Marielle Franco: executada como “aviso” político. Escolhida por ser mulher, negra e favelada. O Militante Socialista, Lisboa, ano XX (II Série), número 133, 20 de Março de 2018, p. 9

Foto: Ana Vibranovski

 

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