Em 10 de agosto de 2011, em Oslo, reuniram-se 150 livres pensadores e ateus de 18 países (Alemanha, Inglaterra, Argenteina, Austrália, Bélgica, Canadá, Chile, Espanha, Finlândia, França, Itália, Líbano, Noruwga, Polônia, Russia, Suiça e Estados Unidos) para fundar a Associação Internacional do Livre Pensamento.
Esse encontro lançou um manifesto que sintetiza as posições adotadas por seus participantes. É este manifesto que publico aqui.
Leia outros documentos da Associação Internacional do Livre Pensamento.
Manifesto pela liberdade de consciência
A humanidade nasceu livre.
A natureza não criou nem valores, nem religiões, nem igrejas, nem censura, nem propriedade.
A humanidade formou-se por si mesma, saindo da pré-história em uma longa luta contra as dificuldades terríveis de um mundo que não conhecia nem entendia, escapando de forma gradual às limitações e obstáculos, incluindo aqueles que ela mesma criou, fazendo valer seus direitos.
Os direitos humanos não são nem supostos nem deturpados frente a outros supostos “direitos” de origem desconhecida. Eles existem porque a humanidade existe.
Os direitos humanos são verdades “auto-evidentes”. O primeiro desses direitos, a primeira destas liberdades é o direito de pensar livremente. A primeira e fundamental liberdade é a liberdade de consciência.
Na verdade, antes das igrejas, está a humanidade. De fato, acima das igrejas, há a humanidade.
Deuses, igrejas, superstições e dogmas não são mais do que criações humanas.
Cada vez mais consciência
“Luz! Mais luz!”
Depois de séculos, fazemos nossas as últimas palavras de Goethe.
Liberdade de consciência é a liberdade da humanidade questionar e examinar a si mesma. A humanidade é falível e imperfeita, já que é dotada de razão e, portanto, de crítica.
O que a humanidade fez, pode desfazer.
Sucessivas gerações de seres humanos não podem colocar-se em grilhões para sempre.
Ao contrário das igrejas, a humanidade livre e consciente recusou, recusa e vai sempre recusar a infalibilidade.
O que é bom para os papas não é bom para os seres humanos.
A humanidade é aperfeiçoável, o que significa que ele pode corrigir-se e melhorar a si mesma; ela não considdera o Paraíso como passado e cheio de culpa ou como um futuro místico e inacessível, mas como um esforço diário que a liberdade de consciência tornou possível.
Depois de Protágoras, podemos dizer que “o homem é a medida de tudo”.
A genialidade humana é ilimitada. É capaz de dividir a menor célula do Universo, bem como modificar sua própria estrutura, conquistar planetas, trabalhar na origem do mundo e pensar sobre seu próprio futuro.
É, infelizmente, capaz de programar sua própria destruição.
O destino da humanidade é o design da espécie humana. De acordo com a mitologia, Prometeu, o rebelde, estava certo quando roubou o fogo de seus donos para os entregar aos homens. Ele é a figura metafórica da luta da humanidade por sua emancipação.
Enquanto afirma a liberdade de consciência, que é sinônima de liberdade humana, a humanidade sempre contraria os dogmas religiosos.
As igrejas sempre condenam qualquer avanço, seja qual for a forma, que a humanidade conquista a cada vez que afirma seus direitos.
História
A lista de mártires e heróis da liberdade de consciência é muito maior do que o breve lembrete mencionado a seguir.
Sócrates foi condenado a beber cicuta porque queria que seus alunos pensasem por si mesmos.
Pedro Abelardo, um filósofo da Sorbonne, foi mutilado porque acreditava que sua opinião era melhor que a dos “Pais”.
Como cientista, Galileu foi condenado porque ensinou as verdades resultantes de sua própria pesquisa, em vez dos erros em conformidade com a Bíblia.
O mesmo para Etienne Dolet, Giordano Bruno, Michel Servet, Vanino Vanini e muitos outros.
Quando a “Carta Magna”, o primeiro documento no mundo ocidental estabelecer direitos, foi publicada na Inglaterra em 1215, Stephen Langton, arcebispo de Canterbury, foi suspenso pelo Papa por ter apoiado a Carta.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão na França de 1789 foi condenada pelo Papa.
Democraticamente eleito por Westminster, em 1880, Charles Bradlaugh teve que travar uma longa campanha para votar no Parlamento sem ter que fazer o juramento de fidelidade à fé anglicana.
Francisco Ferrer i Guardia, um educador espanhol e livre pensador, foi executado em 1907 a pedido da hierarquia católica de Roma.
Chevalier de la Barre, um livre pensador e libertino, foi executado por ordem da Igreja Católica Romana e Max Sievers, o líder do Livre Pensamento Alemão, foi executado pelos nazistas em Hamburgo em 1943.
É uma lista longa…
É um testemunho da luta incansável entre os dogmas e a liberdade de consciência.
Hoje em dia
Todos podem ver que as igrejas continuam a reprimir e oprimir as pessoas de consciência. As igrejas não mudaram.
Para dar alguns exemplos, no Paquistão, o Dr. Younus Shaikh foi acusado de blasfêmia e condenado à morte em 2001, antes que fosse capaz de encontrar azilo na Europa depois de uma campanha de solidariedade internacional. Ele passou quase três anos no corredor da morte.
Na Nigéria, Leo Igwe, um ativista, foi preso e brutalizado repetidamente pela polícia porque se levantou em defesa de pessoas acusadas de “bruxaria”. Em janeiro de 2011, ele foi libertado depois de dois dias sob custódia, como resultado de uma campanha internacional em seu favor.
O juiz italiano Luigi Tosti tem travado uma luta persistente para ser totalmente reintegrado a seu cargo depois de ser demitido, porque ele se recusou a administrar a justiça em um tribunal ornamentado com um crucifixo.
Em 18 de março de 2011, a “Grande Câmara”, uma instância de apelação do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, referido pelo governo Berlusconi, deu sentença a favor do Estado Italiano que quer continuar a impor a presença de crucifixos nas salas de aula das escolas públicas italianas (esse caso ficou conhecido como “Caso Lautsi”).
Poderíamos ter tomado muitos outros exemplos, como a recente destruição de várias pinturas por um comando católico em Avignon, na França, porque as obras foram consideradas “blasfemas”.
Vencer, defender ou restabelecer a liberdade de consciência
Como qualquer outro direito, a liberdade de consciência deve ser consagrada na lei, seja em declarações, constituições, regulamentos ou documentos legais.
Em alguns países, esses regulamentos existem. Este é o caso da Primeira Emenda da Constituição dos EUA: “O Congresso não fará nenhuma lei respeitando o estabelecimento de uma religião ou proibindo o livre exercício dela; ou cerceando a liberdade de expressão ou de imprensa, ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de dirigir ao Governo petições para a reparação de injustiças “. (1791), a Lei da Separação entre a Igreja e o Estado na França (1905): “A República não reconhece salário nem subsidia qualquer culto. Como conseqüência, a partir de 1 de janeiro após a promulgação desta lei, todas as despesas relativas ao exercício das religiões serão suprimidas da composição do orçamento do Estado, dos departamentos e das comunas”, o artigo 3 º da Constituição do México (1917) “nem compra, nem posse ou gestão de imóveis para a Igreja, não há status legal para a Igreja”, Portugal e a Rússia Revolucionária em 1917, o referendo constitucional na Bolívia (2009) e a Constituição Interina do Nepal (2007), entre outros.
Devemos lembrar que esses regulamentos são frequentemente grosseiramente tratados e sua defesa ou seu restabelecimento são necessários. É o caso, por exemplo, da França, onde todos os governos depois do governo Vichy (1940), têm violado a Lei de Separação.
É por isso que saudamos todas as lutas que são travadas em favor da liberdade de consciência, como a recente revogação do crime de blasfêmia no Reino Unido. Em março de 2010, a revista episcopal Gosc Niedzielny e a arquidiocese de Katowice foram condenadas por terem comparado o ativista feminista Alicja Tysiac aos criminosos nazistas. Outros exemplos de vitórias são bem conhecidos.
Saudamos a demanda renovada apresentada por parlamentares, eleitos pelo povo, na República da Irlanda, “para acabar com a relação especial entre a Igreja Católica e o Estado”, a batalha legal em curso na Austrália contra o financiamento público das instituições religiosas e as escolas religiosas nos EUA (“vouchers”), os esforços incansáveis em Quebec para pôr fim às orações públicas nos conselhos.
Saudamos as manifestações anticlericais na Polônia, na Itália, saudamos as dezenas de milhares de pessoas marchando pelas ruas de Beirute, no Líbano e alegando “O secularismo é a solução” em um país onde o sistema político é uma mistura complicada de partilha do poder com base em quotas comunitárias, os milhares de manifestantes na Tunísia retomando o slogan “Secularismo = liberdade e tolerância”, “Para uma Tunísia laica”, os milhares de manifestantes marchando em Londres, durante a visita do chefe da Igreja Católica Romana e alegando “Faça o Papa pagar”, os manifestantes secularistas na Espanha ….
Sob todos os climas, em todos os continentes, a forma é variável, mas o conteúdo é basicamente o mesmo: a necessidade de liberdade de consciência!
Lutamos pela revogação de todas as Concordatas, todas as guerras religiosas e contra qualquer “choque de civilizações”.
Reflexões
Nossas tradições e nossas lutas, incluindo as moções e resoluções do Congresso Mundial do Livre Pensamento em Roma em 1904, são o símbolo e a promessa de nossos compromissos.
Seguindo a tradição do Congresso Mundial de Roma, em 1904, os presentes ou os representantes no Congresso Mundial de Oslo em 10 de agosto de 2011, fundando a Associação Internacional do Livre Pensamento – IAFT – decidem lançar duas campanhas, a saber: a verdade sobre o financiamento das Religiões e justiça para as vítimas das religiões.
Por defendemos a liberdade de consciência, o que implica separação das religiões e do Estado, queremos ir ao fundo do financiamento das Religiões, essa “economia roxa” que restringe os orçamentos dos Estados em detrimento de saúde e educação, para o benefício daqueles que se chamam de “espirituais”.
Exigimos justiça para as vítimas das religiões.
Justiça não é o arrependimento.
O arrependimento é um comportamento religioso que envolve apenas as igrejas, que se consideram como estando acima das leis humanas.
Exigimos justiça, e isso implica sanção, incluindo a sanção jurídica, financeira e moral quando o réu é considerado culpado.
Justiça para as vítimas de abuso sexual por parte das Igrejas, o abuso sexual é uma instituição dentro da instituição!
Justiça para as vítimas da discriminação consagrada no IV Concílio de Latrão, em 1215, ordenando os judeus a usar uma mancha amarela, da Inquisição contra os judeus, muçulmanos ou “hereges”!
Justiça para os povos “evangelizados” colonizados e que foram privados dos seus direitos e despojados de suas terras na África, Ásia, América Latina e América do Norte! Retomando a frase de J. Kenyatta: “Quando os brancos chegaram à África, nós tínhamos as terras e eles tinham a Bíblia. Eles nos ensinaram a orar com os olhos fechados. Quando abrimos os nossos olhos, os brancos tinham a terra e nós tivemos a Bíblia”.
Exigimos a completa liberdade para a pesquisa científica, em respeito da consciência de todos.
Exigimos o direito das mulheres de controlar seus próprios corpos.
Exigimos direitos políticos e sociais iguais para homens e mulheres.
Exigimos a completa separação da educação e da religião. Famílias são livres para ensinar o que elas acham que é bom para seus filhos, mas a educação deve ser a missão da educação pública, exclusivamente.
Nós não culpamos as pessoas por suas opiniões.
Nós culpamos instituições públicas para tentar impor opiniões.
Perspectivas
Nós, os presentes ou os representantes do Congresso Mundial do Livre Pensamento em Oslo, em frente à questão crucial da liberdade de consciência, tanto por meio de nossa própria missão e da situação atual, sem tomar o lugar das associações ou organizações, seja nacional ou internacional qualquer que seja, afirmamos que:
- A liberdade de consciência é constitutiva da democracia;
- A liberdade de consciência é constitutiva da libertação da humanidade.
Nós nos comprometemos a:
- Defender essa liberdade em todos os lugares e para todos;
- Solidariedade fraterna e solenemente expressa para aqueles que são ou poderiam ser perseguidos por suas opiniões;
- Pedir todos aqueles que aceitam esse Manifesto para se juntar a esta luta.
Tradução: Maurício Moura
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Muito bom!
Grato pela partilha!
Cada individuo tem o seu ritmo de crescimento/evolução de si mesmo, do que ele representa no cosmos e na sociedade capitalista onde vivemos.
Que as nossas escolhas, acções e consciência não sejam a reflexão dos dogmas religiosos ou desta nossa sociedade consumista.
Não devemos anular o que a nossa essência precisa em prol da sua sobrevivência e evitar satisfazer a vontade de terceiros, ao qual muitas vezes compromete a nossa liberdade de escolha e pensamento (critico), ou sentido de orientação.
Mas mesmo que nos tentem escravizar com as suas supérfluas e efémeras cosmovisões, manipulações e desejos, uma coisa é certa:
“Eles nunca irão escravizar a nossa liberdade de consciência.”
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