A seguir, entrevista que concedi ao Blog do André Machado sobre minha militância em defesa do Livre Pensamento, a laicidade, a PEC 99/11 e a democracia.
André Machado é historiador e funcionário do Banco do Brasil. Foi diretor do DCE da UFPR e tem sido uma valiosa ajuda na luta pela laicidade e pelos direitos democráticos.
Fonte: Entrevista com Maurício Moura sobre Laicidade, PEC 99/11 e a Democracia Política
Entrevista com Maurício Moura sobre Laicidade, PEC 99/11 e a Democracia Política.
Publicamos hoje uma entrevista com Maurício Moura, editor do site “Livre Pensamento” (https://livrepensamento.com/), a respeito do Projeto de Emenda Constitucional 99/011 e a questão do significado da luta pela laicidade do Estado.
Blog do André – O que você pensa a respeito do Projeto de Emenda Constitucional 99/2011, que dá às organizações religiosas de abrangência nacional o direito de entrarem com Ação Direta de inconstitucionalidade (ADIN) sobre alguma lei que julguem ferir os preceitos constitucionais?
Maurício – Em primeiro lugar, é preciso colocar este Projeto no contexto de como é hoje. A Constituição Federal de 88, em seu artigo 103, estabelece que podem entrar com ADiN no STF uma série de entidades: representantes do Poder Executivo e do Poder Legislativo nacional e estadual, entidades de classe nacionais e partidos políticos com representação no Congresso.
O que essas entidades todas têm em comum? Todas elas têm seus representantes eleitos. São instituições democráticas. Estes representantes foram escolhidos pelo voto e têm mandato popular para exercer suas funções políticas.
A proposta do deputado João Campos (PSDB/GO), por sua vez, tem o objetivo de atribuir o status de Instituição política à “associações religiosas de âmbito nacional”, ou seja, quer fazer com que a Constituição Federal reconheça um pretenso “mandado” político a entidades religiosas para atuar nas decisões de governo e do Estado. Isso, em última instância, abre um precedente para que entidades religiosas possam posteriormente ser legitimadas a disputar o poder do Estado, funcionando na prática como verdadeiros partidos políticos.
Blog do André – Você vê conexão entre esta proposta de lei e a escolha do pastor Feliciano para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados?
Maurício – A separação entre a Igreja e o Estado (conhecida como laicidade), é uma conquista da república. Antes da república, grande parte dos Estados nacionais professavam uma religião oficial e até proibiam práticas religiosas diferentes dessa religião oficial.Essa conquista da República e da democracia é que permitiu, de fato, a liberdade de culto em grande parte do mundo, ou seja, aqueles que tinham fé em uma religião diferente da oficial, só puderam expressar sua fé publicamente depois do advento da República.
Só que essa conquista sempre sofreu ataques, não só no Brasil, como em todo mundo. Elites poderosas têm se utilizado da fé das pessoas para tentar impor uma agenda de retrocesso das liberdades do povo.
Tanto a PEC 99/11 quanto a escolha de Feliciano seguem essa lógica: a de tentar tomar o poder por fora da via democrática, utilizando a fé das pessoas em benefício das elites e de seus partidos.
As pessoas têm o direito de defender seus valores e esses valores estarem alinhados com sua fé religiosa. O problema é tentar impor uma agenda religiosa ao Estado, às costas da democracia. Isso não é aceitável e extremamente perigoso, é só ver o que acontece aonde temos Estados teocráticos.
Blog do André – Levantamento feito pelo portal Qedu.org.br, na maioria das escolas públicas brasileiras, para passar de ano, os alunos têm que rezar. O levantamento do portal foi feito a partir de dados do questionário da Prova Brasil 2011, do Ministério da Educação. Estes dados mostram que
em 51% dos colégios há o costume de se fazer orações ou cantar músicas religiosas. Apesar de contrariar a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), segundo a qual o ensino religioso é facultativo, 49% dos diretores
entrevistados admitiram que a presença nas aulas dessa disciplina é obrigatória. Para completar, em 79% das escolas não há atividades alternativas para estudantes que não queiram assistir às aulas. Gostaríamos que você comentasse estes dados.
Maurício – Eu entendo que a fé e a religião residem no âmbito pessoal e individual. Cada indivíduo, cada família, devem ter o direito de professar sua fé e dirigir sua vida conforme essa fé e seus próprios valores. O Estado não pode interferir nessa escolha de cada indivíduo. Não pode
obrigar o indivíduo a professar esta ou aquela crença.
A justificativa de que a maioria do povo brasileiro é cristã não se sustenta. Veja um exemplo: o Censo de 2010 dá conta que há quase 50 milhões de brasileiros evangélicos, ou seja, que não professam a santidade de Maria. Será que o Estado tem o direito de obrigar esses 50 milhões de brasileiros a venerá-la?
Obrigar alguém a professar uma fé que não tem é uma agressão. É incompatível com a democracia. É inaceitável.
Defender a separação entre a Igreja e o Estado é um direito e uma obrigação de todo cidadão brasileiro.
Blog do André – Por fim, você organizou um site chamado “Livre Pensamento”. O que é tratado nesta página e qual seu objetivo?
Maurício – O livre pensamento é uma tradição que remonta ao Iluminismo e à Revolução Francesa. É a visão que nossa análise do mundo não pode se basear em dogmas pré-estabelecidos, mas no conhecimento e na razão.
O objetivo do site “Livre Pensamento” é o de propagandear essa visão, a propagação do pensamento científico, cético e objetivo, baseado na realidade e no pensamento livre de dogmas, sectarismo e autoritarismo: o materialismo militante.
*Convidamos todos (as) a visitar o site editado por Maurício https://livrepensamento.com/.
Precisamos protestar contra esta ABERRAÇÃO LEGISLATIVA.
Só poderia vir daquela porcaria de bancada “””””cristã”””””, bando de raposas manipuladoras.
CurtirCurtir
Gostaria de fazer um pequeno comentário sobre a PEC 99/2011.
Se observarmos a referida PEC ela garante as organizações religiosas (quaisquer que sejam seus credos) de apresentarem questionamentos sobre a legislação brasileira.
Vejamos pelo que pude perceber estão direcionando esta discussão sob o prisma de que somente as organizações evangélicas ou cristãs seriam beneficiadas, no entanto, todas as organizações religiosas serão beneficiadas, o que representa mais de 99% (noventa e nove por cento) da população brasileira, muito mais representatividade do que muitas que estão podendo fazer tais questionamentos junto ao STF.
Vejamos também um dos mais importantes princípios da democracia que é a liberdade de expressão e de questionamento em todos os níveis e áreas, independente de credo, religião, partido político, cor, classe social, etc.
A PEC 99/2011, apenas garante a ampliação do direito a liberdade de expressão e de questionamento. A decisão final será do próprio STF.
Não devemos confundir a laicidade com a liberdade de expressão. Uma coisa não tem nada haver com a outra, pois assim como é dado o direito ao cidadão brasileiro em se associar e se organizar, deve ser dado a essas organizações o direito a representatividade, seja ela a Centrais Sindicais, a OAB (que não é representativa), ou Partido Político ou outros.
Devemos partir do princípio da liberalidade responsável e não da repressão, que é fruto da ditadura, então quanto mais puderem questionar, melhor será o Brasil. Prova disto está nos movimentos populares atuais, quando o povo clama para ser ouvido pelas autoridades, e somente quando o povo foi às ruas fazer manifestações é que as autoridades passaram a realmente ouvir, nem que seja um pouco, a voz do povo.
Quanto a ser ouvido, quando mais melhor!!!!
Abaixo qualquer forma de discriminação e de ditadura do silêncio, ou do conformismo!!!!
CurtirCurtir
Mauro,
Atente, primeiramente, ao fato de que seus dados estão errados. Segundo o IBGE, as três denominações católicas (Romana, Brasileira e Ortodoxa) representam 64,6%. As dezenas de denominações evangélicas (missionárias, pentecostais e não alinhadas) 22,2% dos lares pesquisados.
Quando você se refere a números, é preciso um pouco mais de seriedade.
O número de “sem religião” (15.335.510) é maior (o dobro) do que o número de evangélicos missionários (7.686.827).
Assim, sua tentativa de argumento de popularidade é uma grande bobagem sem base científica.
Mais do que isso: você afirma que as igrejas são representativas. Ora, quem elegeu o papa? O bispo? O padre, talvez? Como alguém pode ser “representado” por alguém que não escolheu????
Ao contrário, todas as instituições que atualmente podem requerer ADIn são eleitas, são representativas.
Sua falácia vai mais longe: você tenta alinhar as instituições democráticas à ditadura!!! Ora, que lógica esdrúxula é essa??? Você entende a democracia como “repressão”???? Isso não faz o menor sentido.
Sugiro que procure conhecer a história da república e da democracia. Você descobrirá que ambas estão umbilicalmente ligadas à separação entre Igreja e Estado.
Outra coisa: se você é cristão, envergonhe-se de mentir tão descaradamente.
Saudações.
Porantim
CurtirCurtir
Mauro, acho que nosso colega Porantim foi um pouco duro com as palavras, mas devo concordar com os argumentos dele. Quero no entanto esclarecer ainda pelo menos um ponto que talvez tenha passado despercebidos por você. Em primeiro lugar, que a PEC99/11 não apenas “garante a ampliação do direito a liberdade de expressão e de questionamento”, ela interfere diretamente no processo jurídico de forma a dar poderes especificamente aos grupos religiosos. Assim dá privilegios às autoridades religiosas dentro de um processo jurídico que por sua vez é parte das bases de uma democracia republicana que se diz laica. Em outras palavras, estão dizendo que interesses RELIGIOSOS podem interferir num processo de um estado de direito LAICO, o que é claramente uma contradição.
CurtirCurtir
Pingback: Contra a PEC 99/11 | Livre Pensamento
Otimo enuciado abrangente.
CurtirCurtir