Manifesto contra a ascensão do pós-modernismo anticientífico

por Martí Jiménez Mausbach, @MartiJim7

“A acusação de cientificista me orgulha. O cientificista é um tipo de sustenta que tudo o que pode ser conhecido é melhor compreendido utilizando o método científico em lugar da improvisação e da especulação desenfreada” -Mario Bunge

Me preocupa como o movimento anti-vacina, espalhado nas regiões mais ricas do mundo, tem provocado a pior epidemia de sarampo dos últimos 20 anos. Me preocupa que grupos políticos percam tempo promovendo moções contra a imaginária conspiração dos chemtrails1 ou as ondas não ionizantes. Me preocupa ver cartazes divulgando cursos de risoterapia ou de reiki em estabelecimentos comerciais sérios. Me preocupa que em uma iniciativa cidadã como o Multireferendo, 34.204 pessoas votaram contra os transgênicos, enquanto dois terços dos espanhóis não sabem que tomates têm genes. Me preocupa ver comissões de espiritualidade dançando em torno de uma espiga de milho no Acampada Sol2. Me preocupa que o velho continente esteja deixando escapar o potencial da biotecnologia agrário por fundamentalismo tecnofóbicos. Me preocupa que no final do ano passado, o presidente da Comissão Européia eliminou o cargo de assessor científico pelas pressões do Greenpeace. Me preocupa que cada vez mais gente considere incompatível, com o ativismo político, uma posição cética em relação a uma ampla gama de pseudociências, que abarcam desde a reflexologia até a psicanálise. Me preocupa que uma ampla massa social de esquerda siga desconfiando da ciência, ao considerá-la parte do stablishment capitalista. Me preocupa, em última análise, a ascensão do intelectualismo New Age, relativista pós-moderno, pseudocientífico e mesmo profundamente anti-científico.

Pseudociência e pós-modernismo têm convergindo na última década dando lugar a um movimento que rechaça a possibilidade de determinar se as suposições sobre o mundo natural e social são demonstráveis ou falseáveis, corretas ou incorretas, e como consequência, situam no mesmo nível os argumentos científicos e pseudocientíficos. Esta falta de hierarquia entre paradigmas baseia-se na impossibilidade de estabelecer um critério objetivo para discernir a verdade da falsidade, um filtro para avaliar quais proposições e teorias são aceitáveis e quais não são. Desta maneira, os relativistas pós-modernos tendem a ver com bons olhos aquelas teorias que parecem apoiar seus objetivos pessoais e políticos. Relativizam o valor do conhecimento científico e o põem em pé de igualdade com o conhecimento adquirido de outras tradições culturais. Eles abandonaram a ideia chave de que a ação política tem de estar a serviço dos seres humanos, de sua dignidade, liberdade e igualdade e não de interesses particulares e temporais.

“Não deixe Deepak Chiopra gerenciar seu programa de mudança” -Paul Gibbons

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Então, eles invocam a ciência para defender a veracidade das alterações climáticas e, ao mesmo tempo, não hesitam em desprezá-la para oporem-se aos transgênicos. Pretendem tirar os dogmas religiosos da escola pública, mas incorporar a homeopatia na saúde pública. Se opõe às teorias criacionistas mas defendem a existência de uma energia espiritual que emana do cosmos e são fãs de Paulo Coelho. Advogam por uma democracia informada mas renunciam a primar pela racionalidade na hora de fazer propostas políticas. Se autodenominam progressistas e advogam por um tecido industrial produtivo e inovador, mas transpiram pensamentos neoluditas3 e proclamam a retórica sobre a necessidade de diminuir. De fato, os primeiros intelectuais desta esquerda contrailuminista nunca aceitaram a Revolução Industrial. Alemanha foi a exceção por oferecer boa formação tecnológica já nas décadas de 1830 e 1840.

A esquerda neo-romântica anticientífica confunde, dolosamente, ciência com tecnologia e não são poucas as vezes em que um uso perverso de certas tecnologias serve para impugnar o conhecimento científico em seu conjunto. Convém afirmar que a própria ciência é axiologicamente neutra, já que o desenvolvimento de uma técnica implica descartar certas possibilidades em favor de outras sem influência de valores, interesses, preconceitos e ideologias.

Não questiono o princípio democrático para a tomada de decisões em instituições legislativas, referendos ou projetos participativos. Mas não devemos cair na armadilha do relativismo democrático majoritarista jacobino, prescindindo da ciência com Argumentum ad populum. Como afirma, magistralmente, Juan Ignacio Pérez, @Uhandrea, esta constitue “uma das maiores ferramentas para conquistar a emancipação dos seres humanos de todos os tipos de servidão, tanto as impostas pelos poderosos como pela natureza”.

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Porque cabe recordar, acima de tudo e apesar de tudo, quais são os valores da ciência: Rigor, espírito crítico e autocrítico, antidogmatismo, ceticismo, universalidade, racionalidade, honradez intelectual e paixão. Vale a pena lutar por eles. Por favor, que morra obscurantismo, que voltem as luzes e o debate racional.

“Minha preocupação é que, especialmente com a proximidade do fim do Milênio, a pseudociência e a superstição parecerão mais sedutoras a cada novo ano, que o canto da sereia do irracional mais sonoro e atraente.” – Carl Sagan


Leituras recomendadas:

  • MULET, José Miguel (2011) Los productos naturales ¡vaya timo!, Laetoli, Pamplona.
  • SAGAN, Carl (1997), El Mundo y sus demonios. La ciencia como una luz en la oscuridad. Editorial Planeta, Barcelona
  • SINGER, Peter (1999) Una izquierda darwiniana. Política, evolución y cooperación, Crítica, Barcelona.
  • SOKAL, Alan (2008) Más allá de las imposturas intelectuales, Paidós, Barcelona.
  • BUNGE, Mario (2001) Crisis y reconstrucción de la filosofía, Gedisa, Barcelona.

Notas

  1. Chemtrail é uma teoria pseudocientífica que sustenta que as trilhas deixadas por aviões a jato são, na verdade, trilhas de produtos químicos pulverizados deliberadamente por governos (NdT).
  2. Acampada Sol foi um acampamento do Movimento 15-M (conhecido como Movimento dos Indignados) na praça Puerta del Sol, em Madri, de maio a junho de 2011 (NdT).
  3. Neoludismo é uma corrente filosófica que se opõe ao desenvolvimento tecnológico e científico da sociedade (NdT).

Fonte: L’Europeu
Tradução: Maurício Sauerbronn de Moura

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