Michael Specter é um jornalista estadunidense especializado em ciência e tecnologia e em saúde pública. Atualmente escreve para o The New Yorker e já escreveu para o The Washington Post e The New York Times.
Ele estuda como teses pseudocientíficas ou anticientificas podem ser um risco para o mundo. É crítico ferrenho das lendas urbanas como a de que vacinas causam autismo ou medicina baseada em ervas “milagrosas” e alerta: o pensamento pseudocientífico é desastroso para o futuro da humanidade.
Esta é uma palestra proferida por Specter no TED (Technology, Entertainment, Design).
“Negação é um vírus e vírus são contagiosos.” – Michael Specter
Vamos fazer de conta que temos aqui uma máquina, uma grande máquina, uma fascinante Máquina-TED, e ela é uma máquina do tempo. E todas as pessoas nesta sala devem entrar nela. E vocês podem ir para trás ou podem ir para frente; vocês só não podem ficar onde estão. E imagino o que vocês escolheriam, porque andei perguntando aos meus amigos recentemente sobre essa questão, várias vezes, e todos eles querem voltar. Eu não entendo. Eles querem voltar para antes de existirem automóveis ou Twitter ou “American Idol”. Não entendo. Estou convencido de que existe alguma espécie de atração pela nostalgia, pelo pensamento otimista. E eu entendo isso.
Não faço parte dessa multidão, preciso dizer. Não quero voltar, e isso não é porque eu seja aventureiro — é porque as possibilidades neste planeta, elas não vão para trás, elas vão para frente. Portanto eu quero entrar na máquina e ir para frente. Estes são os melhores tempos que jamais existiram neste planeta por qualquer medida que vocês escolham usar: saúde, riqueza, mobilidade, oportunidade, incidências de doenças em declínio. Nunca houve um tempo como este. Meus bisavós morreram, todos eles, por volta dos 60 anos. Meus avós empurraram esse número para 70. Meus pais estão chegando aos 80. Então é melhor que haja um nove no início do número da minha morte. Mas não se trata apenas de pessoas como nós porque a coisa é ainda maior que isso.
Uma criança que nasce hoje em Nova Deli pode esperar viver tanto quanto o homem mais rico do mundo há 100 anos atrás. Pensem nisso. É um fato inacreditável. E porque isso é verdade? Varíola. A varíola matou bilhões de pessoas neste planeta. Ela remodelou a demografia do globo de tal modo que guerra alguma jamais o fez. Ela acabou, desapareceu. Nós a derrotamos. Puff. No primeiro mundo, doenças que ameaçaram milhões de nós há apenas uma geração praticamente não existem mais. Difteria, rubéola, pólio … alguém ao menos sabe o que são essas coisas? Vacinas, medicina moderna, nossa capacidade de alimentar bilhões de pessoas, esses são triunfos do método científico. E no meu entendimento, o método científico, experimentando coisas, vendo o que funciona, mudando quando não funciona, é uma das grandes realizações da humanidade.
Portanto, essas são as boas notícias. Infelizmente, essas são todas as boas notícias porque há outros problemas, e eles foram mencionados muitas vezes, e um deles é que, apesar de todas nossas realizações, um bilhão de pessoas vai para a cama com fome neste mundo, a cada dia. Esse número está aumentando, e está realmente aumentando depressa, e isso é vergonhoso. E não é só isso, nós usamos nossa imaginação para sucatear completamente este planeta. Água potável, terra cultivável, florestas tropicais, petróleo, gás: tudo isso está acabando, e acabando logo, e a menos que inventemos uma saída dessa confusão, nós também sumiremos.
Portanto, a questão é: será que conseguiremos isso? Acho que sim. Acho que podemos produzir comida para alimentar bilhões de pessoas sem esgotar a terra em que eles vivem. Acho que podemos fazer este mundo funcionar com energia que não o destrua ao mesmo tempo. Realmente creio nisso e, não, isso não é otimismo ingênuo. Mas aqui está o que não me deixa dormir à noite, uma das coisas que me mantém acordado à noite. Nunca tivemos tanta necessidade de progresso na ciência como precisamos agora, nunca, e também nunca estivemos numa situação de desenvolvê-la adequadamente como podemos fazer hoje. Estamos no limiar de acontecimentos extraordinários em muitos campos. E no entanto, efetivamente acredito que precisaríamos voltar centenas, 300 anos, para antes do Iluminismo, para encontrar uma época em que combatemos pelo progresso, em que lutamos por essas coisas com mais vigor, em mais frentes de batalha, do que estamos fazendo agora.
As pessoas se envolvem em suas crenças, e elas se tornam tão herméticas que não é mais possível libertá-las. Nem mesmo a verdade as libertará. E, ouçam, todos têm direito a suas opiniões; têm até mesmo o direito a suas opiniões sobre o progresso, mas vocês sabem qual o direito que vocês não têm? Vocês não têm o direito a seus próprios fatos. Sinto muito, vocês não têm esse direito. E levei algum tempo para perceber isso.
Há cerca de uma década, escrevi uma história sobre vacinas para o “The New Yorker,” uma pequena história. E fiquei surpreso de encontrar oposição, oposição ao que constitui, afinal de contas, a mais eficaz medida de saúde pública da história da humanidade. Eu não sabia o que fazer, por isso simplesmente fiz o que eu faço: escrevi uma história e toquei em frente. E logo depois disso, escrevi uma história sobre comida geneticamente modificada. A mesma coisa, só que maior. As pessoas estavam ficando loucas. Então, eu escrevi uma história sobre isso também, e eu não conseguia entender porque as pessoas pensavam que isso era “comida Frankenstein,” porque elas pensavam que mudar algumas moléculas de posição de um modo específico, em vez de ao acaso, significava violar os limites da natureza. Mas, como vocês sabem, eu faço o que eu faço. Escrevi a história, toquei em frente. Quero dizer, eu sou um jornalista; nós digitamos, nós arquivamos, nós vamos jantar, está tudo bem.
Mas essas histórias me incomodaram, e eu não conseguia compreender o porquê, e de repente eu consegui. E isso é porque esses fanáticos que estavam me deixando maluco não eram realmente fanáticos. Eles eram pessoas prudentes, pessoas educadas, pessoas decentes. Eles eram exatamente iguais às pessoas que estão nesta sala. E isso simplesmente me perturbou de tal modo … mas então pensei, sabem como é, sejamos honestos: Estamos numa situação neste mundo na qual não temos a mesma relação com o progresso que costumávamos ter. Nós falamos dele de modo ambivalente. Falamos dele ironicamente, com aspas ao redor: “Progresso”. Pois bem, existem motivos para isso, e acho que sabemos quais são esses motivos. Perdemos a fé nas instituições, na autoridade, e algumas vezes até na própria ciência, e não há razões para que não fizéssemos isso. Basta dizer alguns nomes e as pessoas entenderão. Chernobyl, Bhopal, a Challenger, Vioxx, armas de destruição em massa, fichas de votação mal picotadas. Quero dizer, vocês sabem, podem escolher a lista de vocês. Existem questões e problemas com aquelas pessoas que estamos acostumados a considerar sempre certas. Então, sejam céticos. Façam perguntas, exijam provas, exijam evidências. Não aceitem nada como óbvio. Mas aqui está: quando vocês obtiverem as provas, vocês precisam aceitar as provas, e não estamos sendo capazes de fazer isso. E o motivo pelo qual afirmo que isso acontece é que estamos agora numa epidemia de medo como nenhuma outra que eu tenha visto e espero jamais ver novamente.
Há uns 12 anos, foi publicada uma história, uma história horrorosa, que relacionava a epidemia de autismo às vacinas de sarampo, caxumba e rubéola. Muito assustador. Toneladas de estudos foram feitos para verificar se isso era verdade. Toneladas de estudos precisavam ser feitos: é uma questão séria. Os dados vieram. Os dados vieram dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Suécia, do Canadá, e todos indicavam a mesma coisa: nenhuma correlação, nenhuma conexão, absolutamente nenhuma. Não importa. Não importa porque nós acreditamos em piadas, nós acreditamos no que vemos, no que pensamos que vemos, o que nos faz sentir reais. Não acreditamos numa pilha de documentos de um funcionário do governo que nos oferece dados, e eu consigo entender isso. Acho que todos nós entendemos. Mas sabem de uma coisa? O resultado disso tem sido desastroso, desastroso porque aqui está um fato: os Estados Unidos são um dos poucos países do mundo em que a taxa de vacinação contra sarampo está caindo. Isso é vergonhoso e deveríamos estar envergonhados de nós mesmos. É horrível. O que aconteceu para que fossemos capazes de fazer algo assim?
Ora, eu entendo isso. Eu entendo mesmo. Porque será que alguém tem sarampo aqui? Alguma pessoa neste auditório já viu alguém morrer de sarampo? Não acontece muitas vezes. Não acontece de modo algum neste país, mas isso aconteceu 160.000 vezes no mundo no ano passado. Isso é muita mortes por sarampo, 20 por hora. Mas como não aconteceu aqui, nós podemos tirar isso de nossas cabeças, e pessoas como Jenny McCarthy podem andar por aí pregando mensagens de medo e ignorância em programas como Oprah e Larry King ao Vivo. E eles podem fazer isso porque não ligam causa e correlação. Eles não entendem que essas coisas são parecidas, mas quase nunca são a mesma coisa. E isso é uma coisa que precisamos aprender, e precisamos aprender muito depressa.
Esse cara foi um herói: Jonas Salk. Ele afastou de nós uma das piores calamidades da humanidade. Nada de medo, nada de agonia, pólio, puff, foi-se. Aquele cara no meio, nem tanto. Seu nome é Paul Offit. Ele simplesmente desenvolveu uma vacina contra o rotavirus com várias outras pessoas. Isso salvou as vidas de 400, 500.000 crianças no mundo em desenvolvimento a cada ano. Bastante bom, não é? Bem, é bom, exceto que Paul sai por aí falando sobre vacinas e diz como elas são valiosas e que as pessoas deveriam simplesmente parar de se lamentar. E ele realmente diz isso desse modo. Portanto, Paul é um terrorista. Quando Paul fala em uma audiência pública, ele não pode testemunhar sem guardas armados. Ele recebe telefonemas em casa porque as pessoas gostam de dizer a ele que elas sabem onde é a escola dos filhos dele. E porque? Porque Paul fez uma vacina.
Eu não preciso dizer isso, mas vacinas são essenciais. Se vocês as eliminam, as doenças voltam, doenças horrorosas, e isso está acontecendo. Nós temos sarampo neste país agora. E está ficando pior, e logo crianças vão morrer disso novamente porque é apenas um jogo de números. E elas não vão morrer só de sarampo. Que tal pólio? Vamos ter isso. Porque não? Uma colega de faculdade me escreveu há algumas semanas dizendo que ela me achava um pouco estridente. Ninguém jamais me disse isso antes. Ela não iria vacinar o filho contra pólio. De modo algum. Ótimo. Porque? Porque não temos pólio. E sabem o que mais? Nós não tivemos pólio neste país ontem. Hoje, não sei mais, talvez um cara tenha tomado um avião em Lagos esta manhã, e ele está voando para Los Angeles, agora mesmo ele está sobre Ohio. E ele aterrissará daqui a poucas horas, ele vai alugar um carro, e chegar a Long Beach, e vai comparecer a um desses formidáveis jantares do TED esta noite. E ele não sabe que está infectado com uma doença paralisante, e nós também não, porque é assim que o mundo funciona. Esse é o planeta em que vivemos. Não façam de conta que não é.
Acontece que adoramos nos envolver em mentiras. Nós adoramos isso. Todos tomaram suas vitaminas esta manhã? Equinacea, um ligeiro antioxidante para ficar bem. Eu sei que vocês fizeram isso porque metade dos americanos o fazem diariamente. Eles tomam essas coisas e tomam medicamentos alternativos, e não importa quantas vezes comprovamos que eles são inúteis. Os dados dizem isso o tempo todo. Eles escurecem a urina de vocês. Eles quase nunca fazem mais do que isso. Está certo, vocês querem pagar 28 bilhões de dólares por urina escura, estou totalmente com vocês. Urina escura. Escura. Porque fazemos isso? Porque fazemos isso? Bem, acho que entendo, nós odiamos as grandes empresas farmacêuticas. Nós odiamos o grande governo. Nós não confiamos no homem. E não deveríamos. Nosso sistema de serviços médicos é ruim. É cruel para milhões de pessoas. É absoluta e espantosamente frio e desesperador para aqueles que não podem sequer pagar por ele. Então fugimos dele, e para onde corremos? Pulamos nos braços do grande placebo. Isso é fantástico. Eu adoro o grande placebo.
Mas, vocês sabem, isso é realmente uma coisa séria porque essa coisa é uma porcaria, e gastamos bilhões de dólares nisso. E aqui temos apoios de todos os tipos. Nenhum deles — ginkgo, fraude, equinacea, fraude, açaí, nem sei o que é isso mas estamos gastando bilhões de dólares nisso, é fraude. E sabem o que mais? Quando digo isso, as pessoas gritam comigo, e dizem: “Porque você se incomoda? Deixe as pessoas fazerem o que elas querem. Isso faz com que elas se sintam bem.” E sabem de uma coisa? Vocês estão errados. Porque eu não me importo se é o secretário do H. H. S. [Secretaria de Serviços Médicos e Assistenciais — N. do T.] quem está dizendo, “Humm, não vou considerar as evidências dos meus peritos em mamografia.” ou algum charlatão do câncer que quer tratar os pacientes dele com clísteres de café. Quando vocês entram nesse caminho onde crendice e mágica substituem evidência e ciência, vocês chegam num lugar onde vocês não querem estar. Vocês acabam como Thabo Mbeki na África do Sul. Ele matou 400.000 pessoas de seu povo por insistir em que beterraba, alho e óleo de limão eram muito mais eficazes do que as drogas antiretrovirais que nós sabemos serem capazes de retardar a evolução da AIDS. Centenas de milhares de mortes desnecessárias num país que foi assolado por essa doença mais severamente do que qualquer outro. Por favor, não me digam que essas coisas não têm consequências. Têm sim. Sempre têm.
Agora, a mais desmiolada das epidemias pela qual estamos passando agora mesmo é essa batalha absurda entre os proponentes de alimentos geneticamente modificados e a elite orgânica. É um debate idiota. Isso precisa parar. É um debate sobre palavras, sobre metáforas. É ideologia, não é ciência. Cada uma das coisas que nós comemos, cada grão de arroz, cada raminho de salsa, cada couve-de-bruxelas foi modificada pelo homem. Como vocês sabem, não havia tangerinas no jardim do Éden. Não havia nenhum melão. Não existiam árvores de Natal. Nós fizemos tudo isso. Fizemos isso ao longo dos últimos 11.000 anos. E algumas dessas coisas deram certo e outras não. Nós nos livramos das coisas que não deram certo. Agora somos capazes de fazer isso de modo mais preciso. E existem riscos, sem dúvida. Mas podemos colocar coisas como vitamina A no arroz, e isso pode ajudar milhões de pessoas, milhões de pessoas, prolongar as vidas delas. Vocês não querem fazer isso? Preciso dizer, não entendo isso.
Nós temos objeções a alimentos geneticamente modificados. Porque fazemos isso? Bem, as coisas que ouço o tempo todo são: Muitas substâncias químicas, pesticidas, hormônios, monocultura, não queremos plantações gigantescas da mesma coisa, isso é errado. Não queremos empresas patenteando a vida. Não queremos que empresas sejam proprietárias de sementes. E sabem qual é a minha resposta a tudo isso? Sim, vocês estão certos. Vamos corrigir isso. É verdade, temos um enorme problema de alimentação, mas isso não é ciência. Isso tem nada a ver com ciência. Isso é uma questão de lei, de moralidade, é questão de patentes. Vocês sabem que a ciência não é uma empresa. Não é um país. Não é sequer uma ideia: é um processo. É um processo, e algumas vezes ele dá certo e outras vezes não dá, mas a ideia de que não devemos permitir que a ciência faça o trabalho dela porque estamos com medo, é realmente mortal, e está impedindo milhões de pessoas de prosperarem.
Como vocês sabem, nos próximos 50 anos precisaremos cultivar 70% mais comida do que fazemos hoje, 70 por cento! Esse é o investimento na África ao longo dos últimos 30 anos. Vergonhoso. Vergonhoso. Eles precisam disso e nós não vamos oferecer isso a eles. E porque? Alimentos geneticamente modificados. Nós não pretendemos encorajar as pessoas a comerem coisas nocivas, como mandioca, por exemplo. Mandioca é uma coisa que meio bilhão de pessoas comem. É uma coisa parecida com batata. É apenas um monte de calorias. É ruim. Não tem nutrientes, não tem proteínas, e os cientistas estão colocando tudo isso nela, agora mesmo. E então as pessoas poderiam comê-la e não ficariam mais cegas. Elas não morreriam de fome, e sabem de uma coisa? Isso seria bom. Não seria como o Chez Panisse [Restaurante – N. do T.], mas seria bom.
Tudo que posso dizer sobre isso é: porque estamos combatendo isso? Perguntemos a nós mesmos: porque estamos combatendo isso? Porque não queremos mexer com os genes? Esta questão é sobre mexer com os genes. Não é sobre produtos químicos. Não se trata de nossa ridícula paixão por hormônios, nossa insistência em ter comida maior, comida melhor, comida especial. A questão não é com os crespinhos de arroz, trata-se de manter pessoas vivas, e está na hora de começarmos a entender o que isso significa. Porque, querem saber de uma coisa? Se não fizermos isso, se continuarmos agindo como estamos fazendo, seremos culpados de algo que acredito que não desejamos ter culpa: colonialismo da alta tecnologia. Não existe outra maneira de descrever o que está acontecendo nesse caso. É egoísta, é feio, está abaixo de nós, e realmente precisamos parar com isso.
Assim, depois dessa conversa tão divertida, vocês podem querer dizer: “Então, você ainda quer entrar nessa ridícula máquina do tempo e ir para a frente?” Absolutamente. Absolutamente, eu quero. Estou preso no presente neste momento, mas nós temos uma oportunidade extraordinária. Podemos ajustar aquela máquina do tempo da maneira que quisermos. Nós podemos levá-la para onde quisermos levá-la, e vamos levá-la para onde queremos levá-la. Precisamos ter essas conversas e precisamos pensar, mas quando entrarmos na máquina do tempo e formos em frente, vamos ficar felizes de ter feito isso. Sei que podemos, e, naquilo que me concerne, isso é uma coisa de que o mundo precisa agora mesmo.
Muito obrigado.