A ciência é para todos, inclusive para crianças

Beau Lotto é um neurocientista especializado na percepção humana. É fundador do Lotto Lab, uma espécie de mistura entre um laboratório científico e um estúdio artístico que tem como objetivo pesquisar a percepção.

Lotto defende que todas as pessoas, incluindo as crianças, devem participar da ciência e mudar suas percepções a partir de processos de descoberta.

Neste vídeo para o TED, Lotto tem ao seu lado Amy O’Toole,  uma adolescente de 12 anos que, inspirada pela ciência participativa defendida por Lotto, auxiliou uma experiência científica no Reino Unido e, aos 10 anos de idade, se tornou a pessoa mais jovem a publicar um paper científico.


Beau Lotto: Bem, este jogo é muito simples. Tudo que vocês têm de fazer é ler o que estão vendo. Certo? Então vou contar até 3 pra gente poder fazer junto. OK, um, dois, três.

Plateia: Vocês conseguem ler isto?

BL: Impressionante. Que tal este aqui? Um, dois, três.

Plateia: Vocês não estão lendo isto.

BL: Tudo bem. Um, dois, três. Só se vocês soubessem português, né? Que tal este aqui? Um, dois, três.

Plateia: O que vocês estão lendo?

BL: O que vocês estão lendo? Não tem nenhuma palavra lá. Eu disse para lerem o que estão vendo. Certo? Isso literalmente diz: “O q vc est lend?” Certo? É o que vocês deveriam ter dito. Certo? Por que isso?

É porque a percepção é baseada na nossa experiência. Tá? O cérebro pega informação sem sentido e dá significado a ela, o que significa que nunca vemos o que está lá, nunca vemos a informação, só vemos aquilo que nos foi útil ver no passado. Tá? O que significa dizer que, no que se refere à percepção, somos todos como este sapo.  Certo? Ele está obtendo informação. Ele está gerando comportamento que é útil.

E, às vezes, quando as coisas não saem do nosso jeito, a gente fica um pouco aborrecido, né mesmo? Mas estamos falando sobre percepção aqui, certo? E percepção é a base de tudo aquilo que pensamos, sabemos, acreditamos, nossas esperanças, nossos sonhos, as roupas que usamos, apaixonar-se, tudo começa com percepção. Assim, se a percepção é baseada em nossa história, isso significa que sempre respondemos de acordo com o que fizemos antes. Mas, na verdade, esse é um tremendo problema, pois como é que algum dia vamos conseguir ver de forma diferente?

Bem, queria lhes contar uma história sobre ver diferente. Todas novas percepções começam da mesma forma. Elas começam com uma pergunta. O problema com as perguntas é que elas criam incerteza. Bem, incerteza é uma coisa muito ruim. Do ponto de vista da evolução é uma coisa ruim. Se você não tiver certeza de que ali tem um predador, já era. Né mesmo?  Mesmo enjoo marítimo é uma consequência da incerteza. Certo? Se viajarmos na parte interna de um barco, nossos ouvidos internos vão nos dizer que estamos nos movendo. Nossos olhos, por se moverem na mesma velocidade do barco, vão nos dizer que estamos parados. O cérebro não consegue lidar com a incerteza dessa informação e fica doente. A pergunta “por quê?” é uma das coisas mais perigosas que podemos fazer,pois nos leva à incerteza. No entanto, a ironia é que a única maneira de fazermos algo novo é ir nessa direção. Então, como poderemos fazer algo novo? Bem, felizmente a evolução nos deu uma resposta, certo? E nos permite lidar até mesmo com as questões maisdifíceis. As melhores perguntas são aquelas que geram a maior incerteza possível. São aquelas que questionam as coisas que pensamos ser verdade. Certo? É fácil formular perguntas sobre como a vida começou, ou o que está além do universo, mas questionar aquilo que você considera verdadeiro é realmente ir naquela direção.

Então, qual é a resposta da evolução para o problema da incerteza? É brincar. Bem, brincar não é simplesmente um processo. Especialistas em brincar vão dizer que, na verdade, brincar é uma forma de ser. Brincar é um dos únicos empreendimentos humanos em que a incerteza é na verdade celebrada. Incerteza é o que faz a brincadeira ser divertida. Né mesmo? Se adapta à mudança. Certo? Abre possibilidades e é cooperativa. É na verdade a maneira como construímos nossos vínculos sociais, e é intrinsicamente motivada. Isso signifique que brincamos para brincar. Brincar é a própria recompensa.

Agora, se olharem para essas cinco formas de ser, vão notar que são exatamente as mesmas formas de ser necessárias para se tornar um bom cientista. A ciência não é definida pela parte do artigo científico que trata do método utilizado. É na verdade uma forma de ser, que está aqui, e isso vale para qualquer coisa que seja criativa. Assim, se colocarmos regras na brincadeira, temos um jogo. Na verdade, isso é o que define um experimento.

Assim, munidos dessas duas ideias, de que a ciência é uma forma de ser e de que os experimentos são brincadeiras, perguntamos: pode alguém se tornar um cientista? E quem melhor para responder isso do que 25 crianças de 8 a 10 anos de idade? Porque elas são especialistas em brincar. Assim, levei meu “Abelha por um dia” a uma pequena escola de Devon, e o objetivo era não só fazer as crianças verem a ciência de maneira diferente, mas, através do processo da ciência, ver a si próprios de forma diferente. Certo?

O primeiro passo foi formular uma pergunta.

Bem, devo dizer que não conseguimos financiamento para essa pesquisa porque os cientistas disseram que crianças pequenas não poderiam dar uma contribuição útil para a ciência, e os professores disseram que crianças não conseguiriam fazê-lo. Mas nós fizemos assim mesmo. Tá bom? Com certeza.

Então, aqui estão algumas das perguntas. Coloquei em letras pequenas para vocês não se preocuparem em lê-las. A questão é que cinco das perguntas que as crianças formularameram na verdade a base da publicação científica nos últimos cinco a 15 anos. Tá? Assim, elas estavam levantando questões que eram relevantes para cientistas tarimbados.

Bem, agora queria dividir o palco com alguém muito especial. Ela foi uma das crianças que participou desse estudo e agora é uma das mais jovens cientistas publicada no mundo. Ela vai agora, quando subir ao palco, ser a pessoa mais jovem de todos os tempos a falar no TED, tá? Bem, fazer ciência e formular perguntas tem a ver com coragem. Bem, ela é a personificação da coragem, pois ela vai ficar em pé aqui na frente e falar pra todos vocês.Então Amy, você poderia vir até aqui, por favor? (Aplausos) (Aplausos) Então a Amy vai me ajudar a contar a estória do que chamamos Projeto Abelhas de Blackawton, e primeiro ela vai lhes contar a pergunta que elas formularam. Então, vamos lá, Amy.

Amy O’Toole: Obrigada, Beau. Achamos que era fácil perceber a ligação entre humanos e macacos da forma como pensamos, pois somos parecidos. Mas nos perguntamos se existe uma possível ligação com outros animais. Seria impressionante se humanos e abelhas pensassem de forma semelhante, já que elas parecem tão diferentes de nós.Assim, perguntamos se humanos e abelhas poderiam resolver problemas complexos da mesma forma. Na verdade, queríamos saber se as abelhas conseguem também se adaptara novas situções usando regras e condições previamente aprendidas. E se as abelhas conseguirem pensar como nós? Bem, seria impressionante, já que estamos falando sobre um inseto que tem apenas um milhão de células cerebrais. Mas, na verdade, faria muito sentido se elas conseguissem, pois as abelhas, como nós, conseguem reconhecer uma flor boa independente da hora do dia, da luz, do tempo, ou de qualquer ângulo pelo qual se aproximem.

BL: Então, o próximo passo foi elaborar um experimento que é um jogo. Daí, as crianças foram em frente e criaram esse experimento, ou melhor dizendo, esse jogo e tudo mais. Amy, você pode nos dizer que jogo foi esse e o quebra-cabeça que vocês apresentaram às abelhas?

AO: O quebra-cabeça que bolamos foi uma condição “se-então”. Pedimos às abelhas para aprender não apenas a ir até uma certa cor, mas somente para uma flor de uma certa corquando ela tivesse um certo padrão. Elas somente eram recompensadas se voassem para as flores amarelas se as flores amarelas estivessem cercacas pelas azuis, ou se as flores azuis estivessem cercadas pelas amarelas. Bem, existe um certo número de regras que as abelhas conseguem aprender para resolver esse quebra-cabeça. A pergunta relevante aqui é: quais? O mais empolgante sobre esse projeto foi que nós e Beau não tínhamos a menor ideia se ia funcionar. Foi uma coisa completamente nova, e ninguém tinha feito isso antes,incluindo os adultos.

BL: Incluindo os professores, e aquilo era realmente difícil para os professores. É fácil para um cientista tentar e não ter a menor ideia do que está fazendo, pois isso é o que fazemos no laboratório, mas para um professor não saber o que vai acontecer no final do dia — muito do crédito vai para Dave Strudwick, que foi o colaborador desse projeto. OK? Então, não vou repassar todos os detalhes do estudo porque, na verdade, vocês podem ler sobre o assunto, mas o próximo passo é a observação. Então aqui estão alguns dos alunosfazendo as observações. Eles estão coletando dados sobre para onde as abelhas voam.

Dave Strudwick: Então o que vamos fazer?

Aluno: 5C.

Dave Strudwick: Ela ainda está indo lá?

Aluno: Está.

Dave Strudwick: Então você pode monitorar uma por uma.

Aluno: Henry, pode me ajudar aqui?

BL: “Pode me ajudar aqui, Henry?” Que cientista experiente diz isso, certo?

Aluno: Tem duas aqui em cima. E três aqui dentro.

BL: Certo? Então temos nossas observações. Temos nossos dados. Eles fazem uma matemática simples, média aritmética, etc., etc. E agora queremos compartilhar. É o próximo passo. Então vamos escrever tudo isso e tentar submeter a publicação. Certo? Então temos de colocar tudo no papel. Para isso fomos, é claro, para um pub. Certo? (Risos) O copo da esquerda é o meu, tá? (Risos)

Bem, eu disse a eles que um artigo tem quatro partes diferentes: uma introdução, um método, um resultado, uma argumentação. A introdução aborda qual é a pergunta e por quê. Método – o que vocês fizeram? Resultado – o que foi observado? E a argumentação – quem liga pra isso? Certo? Basicamente, um artigo científico é isso.

Então as crianças me deram as palavras. Daí, coloquei o texto em forma de narrativa, o que significa que este artigo está escrito em linguagem de criança. Não foi escrito por mim. Foi escrito pela Amy e pelos outros alunos da sala. Por isso, o artigo científico começa assim: “Era uma vez …”  A parte dos resultados diz: “Fase de treinamento, o quebra-cabeça… tan tan tan taaaaannnn.” Tá? E o método tem coisas como: “Então nós colocamos as abelhas na geladeira (e fizemos torta de abelha)” – carinha feliz. Certo?  Este é um artigo científico. Vamos tentar publicá-lo. Então aqui está a folha de rosto. Temos um grande número de autores aqui. Todos esses nomes em negrito têm entre 8 e 10 anos de idade. O primeiro autor é a Escola Primária Blackawton, e toda vez que se fizer referência, será “Blackawton et al,” e não um indivíduo. Então submetemos o artigo a uma revista científica de acesso livre e ela respondeu assim. Entre outras coisas, dizia assim: “Lamentamos dizer que o artigo não atende ao nosso controle inicial de qualidade no tocante a diversos aspectos.”  Em outras palavras, ele começa com “era uma vez,” as tabelas foram feitas com lápis de cor, etc.

Daí nós pensamos: vamos submetê-lo à revisão. Então enviamos para Dale Purves, que pertence à Academia Nacional de Ciências e é um dos mais importantes neurocientistas do mundo, e ele disse: “Este é o artigo cientifico mais original que já li na vida e ele certamente merece ampla divulgação.” Larry Maloney, especialista em visão, disse: “O artigo é magnífico. O artigo seria publicado se tivesse sido feito por adultos.”

Então, o que fizemos? Enviamos ele de volta para o editor. Eles disseram não. Então pedimos a Larry e Natalie Hempet para escrever um comentário contextualizando as descobertas para os cientistas, colocando as referências, e o submetemos à revista “Biology Letters”. E lá ele foi revisado por cinco revisores independentes, e foi publicado. Tá bom?

Levou quatro meses para fazer ciência, e dois anos para ser publicado. (Risos) Ciência típica, na verdade, né mesmo? Então isso faz de Amy e de seus colegas os cientistas mais jovens do mundo a terem um artigo publicado. Como foi o retorno disso? Bem, ele foi publicado dois dias antes do Natal, baixado 30.000 vezes no primeiro dia, tá bom? Foi destacado pela “Science” (Editor`s Choice), uma das revistas de ciência mais respeitadas do mundo. O artigo é de livre acesso permanente na “Biology Letters”. É o único artigo gratuito que vai ficar acessível ao público nessa revista de forma permanente. Ano passado, foi o segundo artigo mais baixado na “Biology Letters”, e teve tremendo retorno não só por parte de cientistas e de professores, mas do público também. E vou ler apenas um.

“Eu li ‘Abelhas de Blackawton’ recentemente. Não tenho palavras para explicar exatamente como me sinto agora. O que vocês fizeram, pessoal, é real, verdadeiro e impressionante.Curiosidade, interesse, inocência e zelo são as coisas mais básicas e mais importantes para se fazer ciência. Quem mais poderia ter tais qualidades senão as crianças? Por favor, cumprimente sua equipe de crianças por mim.”

Assim, gostaria de concluir com uma metáfora física. Posso fazer com você?  Oh, é, é, vamos lá. Sim, sim. OK. Bem, ciência tem a ver com assumir riscos, então este é um risco tremendo, certo? Para mim, não para ele. Certo? Porque fizemos isso antes apenas uma vez.  E você gosta de tecnologia, né mesmo?

Shimon Schocken: É, mas gosto mais de mim mesmo.

BL: Isso é o suprassumo da tecnologia. Certo. OK Agora …  OK.

Agora, vamos fazer uma pequena demonstração. Você tem de fechar os olhos e apontar para a direção de onde vêm as palmas, tá certo?

OK, que tal se todo mundo que está ali gritasse. Um, dois, três …

Ótimo. Agora, abra os olhos. Vamos fazer de novo. Todo mundo desse lado aqui gritando.  De onde o som está vindo ?

Muito, muito obrigado.

Pra que tudo isso? Pra mostrar o que a ciência faz por nós. Certo? Normalmente passamos pela vida reagindo, mas se quisermos fazer algo diferente, temos de buscar a incerteza. Quando ele abriu os olhos, conseguiu ver o mundo de uma forma diferente. Isso é o que a ciência nos oferece. Ela oferece a possibilidade de ir ao encontro da incerteza através do processo de brincar, certo?

Agora, a verdadeira educação científica, penso eu, deveria ser sobre dar às pessoas uma voz e permitir a elas expressar essa voz, assim, pedi à Amy que seja a última voz nessa pequena estória. Então, Amy…

AO: Este projeto realmente me empolgou demais, porque ele deu vida ao processo de descoberta, e me mostrou que qualquer pessoa – e quero dizer qualquer pessoa mesmo -tem o potencial para descobrir algo novo e que uma pergunta pequena pode levar a uma grande descoberta. Mudar a forma como uma pessoa pensa sobre algo pode ser fácil ou difícil. Tudo depende da forma como a pessoa encara a mudança. Mas mudar a forma como eu pensava sobre a ciência foi surpreendentemente fácil. Assim que começamos a jogar e depois a pensar sobre o quebra-cabeça, percebi então que ciência não é só um assunto chato e que qualquer pessoa pode descobrir algo novo. Você só precisa de uma oportunidade. Minha oportunidade veio na forma de Beau e do Projeto Abelhas de Blackawton.

Obrigada.

BL: Muito obrigado.

Fonte: TED
Tradução: Raissa Mendes
Revisão: Wanderley Jesus
Revisão da transcrição: Maurício Sauerbronn de Moura
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