A seguir, texto de Luã Cupolillo publicado no Jornal O Trabalho nº 734 (agosto/2013). No texto, Luã discute o Manual de Bioética distribuído pela CNBB durante a Jornada Mundial da Juventude. Já tratamos desse assunto aqui.
Luã é historiador e faz parte da coordenação nacional da Juventude Revolução. Foi diretor da UNE e coordenador geral do DCE da UFJF.
por Luã Cupolillo
Manual distribuído na Jornada da Juventude ataca direito ao aborto
Na jornada mundial da juventude católica, ocorrida no Rio de Janeiro, o Papa apresentou um discurso de modernização e tolerância para se aproximar da juventude. Discursos à parte, o que diz a cúpula da Igreja católica sobre questões que afetam diretamente a vida da juventude? O “manual da bioética” da fundação Jerome Lejeune, ligada à Igreja Católica e publicado no Brasil pela Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e distribuído aos inscritos da jornada, justificam as posições reacionárias da cúpula da Igreja com argumentos pseudocientíficos.
Ataque ao direito ao aborto
No Brasil, como o aborto é criminalizado, exceto em casos de estupro, gravidez de risco ou bebês anencéfalos, a maior parte é realiza do de forma clandestina. O governo admite que o aborto é hoje a quinta causa de morte entre mulheres, e, segundo pesquisa do IBOPE em 2010, 1 em cada 5 mulheres já realizaram abortos. A maior parte é realizada por jovens entre 18 e 24 anos. Independentemente da vontade desta ou daquela visão religiosa, o aborto é largamente praticado no país. Clandestino, feito de modo inseguro, leva à complicações e à morte. Para condenar o aborto, inclusive em casos de estupro, o “manual da bioética” combina argumentos morais e científicos, sobre os quais não há consenso, como o de que a vida humana começaria com o embrião (surgido da fecundação do óvulo pelo espermatozoide).
As legislações sobre o direito ao aborto, presentes no manual original, como da França e Portugal, são baseadas em outra concepção cientifica, mais aceita, de que a vida humana tem início com o desenvolvimento do sistema nervoso.
Essas legislações, que respeitam o direito da mulher de decidir sobre o próprio corpo, foram cuidadosamente retiradas da versão brasileira.
Ataque aos métodos contraceptivos Ignorando o fato de que no Brasil o número de grávidas precoces ultrapassa os 17% do total de partos oficiais (IBGE), o manual condena o uso de contraceptivos, como os anticoncepcionais “tradicionais”, o DIU e a pílula do dia seguinte, como se fossem “abortivos”, quando, na verdade, são métodos utilizados para impedir a fecundação (não são abortivos nem de acordo com a concepção “oficial” da Igreja).
O manual que condena também a pesquisa com células tronco com embriões, já permitidas pela legislação brasileira, questiona até mesmo os exames pré natais (!), sob o argumento de que a descoberta de deficiências poderia incentivar o aborto.
Da teoria à prática contra o Estado Laico
A religião é assunto privado, cada um tem o direito de ter suas próprias crenças, mas o manual é um desserviço à juventude. Setores liga dos à cúpula da Igreja querem impor suas concepções como regras a um Estado que deve ser laico, cujas leis e regras não devem se basear em concepções religiosas. Mas, além do famigerado “Estatuto do nascituro”, tramitando agora no congresso federal, um grupo ligado à igreja, denominado Pró-vida, esteve em audiência com a presidência da república para exigir que ela vete a lei que obriga o atendimento de mulheres vitimas de violência sexual em unidades básicas de saúde, e que permite o uso de pílulas do dia seguinte no tratamento, porque consideram essa lei “pró aborto”.
Ao contrário do que o texto acima diz, a cúpula da igreja deve de preocupar com regras e conceitos morais para os seus seguidores, e não para a sociedade em geral ou o Estado. Quem não é católico não deveria se preocupar com as sugestões da igreja, pois não precisam segui-la, bem como o estado não precisa. Condenar uma pessoa que não acredita no aborto, é o mesmo que condenar uma pessoa que acredita em Deus. É tudo questão de crença. Na minha opinião, quem concorda com o aborto que o faça, quem não, como os católicos, não o façam. Quanto ao Estado, este deve se basear no que a ciência diz, e deixar de lado opiniões religiosas.
CurtirCurtir
Flaviano,
O tal Manual de Bioética comete exatamente o crimes que você aponta: insta aos jovens a lutarem para impor seus valores morais para todas as outras pessoas, se utilizando do Estado para isso.
Em outras palavras, o material produzido sob ordens do Vaticano e distribuído pela CNBB tem a intenção de obrigar a todos os seres humanos da face da Terra a professarem sua fé e seus valores sob pena de prisão e morte.
Você também aponta a ciência como tarefa do Estado. Tem razão e esse é mais um erro do tal Manual, que tenta se travestir de ciência, para negar a própria ciência logo em seguida.
Uma coisa importante: o perfil da mulher que aborta no Brasil é exatamente a católica. Veja: Brasileira que aborta é católica, casada, trabalha e tem filho.
A defesa feita pelo Luã, pelo que eu entendo, é a mesma que a sua e a mesma que a República tem feito em sua história: a total separação entre Igreja e Estado. É exatamente essa a defesa do Livre Pensamento.
Obrigado por sua contribuição.
Porantim
CurtirCurtir