Face ao genocídio promovido pelas forças militares de Israel, vários movimentos de resistência começam a surgir dentro das próprias forças armadas.
Desde 2013, vários drusos foram presos por se recusarem a participar das ocupações. Em março, sessenta jovens do ensino médio, com idades entre 16 e 19 anos, assinaram um manifesto declarando que se recusam ao alistamento e preferem enfrentar a cadeia a participar da ocupação do território palestino. Também em março, milhares de judeus ortodoxos marcharam em Jerusalém contra o serviço militar.
Agora, são 51 militares da ativa e da reserva que se levantam contra o Exército Israelense. Em um eloquente texto, denunciam a opressão, o incentivo ao preconceito racial (inclusive contra os próprios judeus árabes e africanos) e a perpetuação das desigualdades sociais e dos privilégios da elite.
Militarismo, ultra-nacionalismo, ódio racial, violência… O paralelo com o fascismo e nazismo são inevitáveis.
Leia a íntegra da carta dos militares:
Não sirva!
Nós fomos soldados em uma ampla variedade de unidades e posições no exército israelense – um fato que agora nos arrependemos porque, em nosso serviço, descobrimos que as tropas que operam nos territórios ocupados não são os únicos a fazer cumprir os mecanismos de controle sobre as vidas palestinas. Na verdade, todo militar está envolvido. Por essa rasão, agora nos recusamos a participar de nossos deveres de reserva e apoiamos todos aqueles que resistem à convocação.
O Exército Israelense, uma parte fundamental das vidas dos israelenses, também é o poder que governa os palestinos que vivem nos territórios ocupados em 1967. Enquanto ele existir na estrutura atual, essa linguagem e mentalidade nos controla: nos dividimos o mundo entre bons e maus de acordo com a categorização dos militares; o militar serve como o a principal autoridade para decidir quem tem mais e menos valor na sociedade – quem é mais responsável pela ocupação, quem tem permissão para vocalizar sua resistência a ela e quem não tem (e como eles tem permissão para fazê-lo). Os militares tem papel central em todos os planos de ação e propostas decididas no debate nacional, o que explica a ausência de qualquer discussão real de soluções não-militares para os conflitos que Israel trava com seus vizinhos.
Os moradores palestinos da Cisjordânia e da Faixa de Gaza são privados de direitos civis e direitos humanos. Eles vivem sob um sistema legal diferente de seus vizinhos judeus. A culpa disso não é exclusiva dos soldaos que operam nesses territórios. Esssas tropas, portanto, não são os únicos obrigados a não aceitar. Muitos de nós sevimos em funções de apoio logístico e burocrático; lá, descobrimos que todo militar ajuda a implementar a opressão aos palestinos.
Muitos soldados que servem em funções que não envolvem o combate, recusam-se a resistir porque acreditam que suas ações, muitas vezes rotineiras e banais, estão distantes dos resultados violentos em outros lugares. E as ações que não são banais – decisões sobre a vida e a morte dos palestinos feitas em escritórios vários quilômetros longe da Cisjordânia, por exemplo – são confidenciais, e por isso é difícil debater publicamente sobre elas. Infelizmente, nós nem sempre nos recusamos a executar as tarefas que nos são ordenadas e, dessa forma, também contribuímos para as ações violentas dos militares.
Durante nosso tempo no exército, nós testemunhamos (ou tomamos parte) dos comportamentos discriminatórios dos militares: a discriminação estrutural contra as mulheres, que começa com a triagem inicial de a atribuição dos papéis; o assédio sexual que era uma realidade diária para alguns de nós; os centros de imigração que dependem de assistência militar uniformizada. Alguns de nós também viram em primeira mão como a burocracia deliberadamente afunila estudantes técnicos em posições técnicas, sem dar a eles a oportunidade de servir em outras funções. Fomos colocandos em cursos de formação entre pessoas que pareciam e soavam como nós mesmos, ao invés de misturar e socializar como o exército afirma fazer.
As forças armadas tentam apresentar-se como uma instituição que permite a mobilidade social – como um trampolim na sociedade israelense. Na realidade, elas perpetuam a segregação. Nós acreditamos que não é por acaso qeu aqueles que vêm de famílias de classe média-alta desembarcam em unidades elitistas de inteligência e, de lá, muitas vezes vão trabalhar em empresas de tecnologia com altos salários. Nós achamos que não é por acaso que, quando soldados de uma unidade de manutenção de armas ou de intendência abandonam ou deixam o exército, muitas vezes pela necessidade de sustentar sua família, eles sejam chamados de “trapaceiros”1. O exército exalta uma imagem de “bom israelense” que na verdade recebe seu poder de subjugar os outros. O lugar central dos militares na sociedade israelense, e ele cria essa imagem ideal, trabalha para apagar as culturas e as lutas dos judeus mizrahim2, etíopes, palestinos, russos, drusos, os ultra-ortodoxos, os beduínos e as mulheres.
Todos nós participamos, em níveis diferentes, nesta ideologia e tomamos parte no jogo de “o bom israelense” que serve lealmente aos militares. Principalmente nos serviços que fazem avançar nossas posições nas universidades e no mercado de trabalho. Nós fizemos contatos e fomos beneficiados pelo abraço quente do consenso israelense. Mas pelas razões expostas, esses benefícios não valem o preço.
Legalmente, alguns de nós ainda estão registrados como parte das forças da reserva (outros conseguiram ganhar dispensa ou tem garantias de desobrigação), e o exército mantém nossos nomes e informações pessoais, bem como a opção legal de nos impor ao “serviço”. Mas não vamos participar, de forma alguma.
Há muitas razões para as pessoas se recusarem a servir no exército israelense. Mesmo tendo diferenças sobre o contexto ou a motivação sobre o motivo de escrever esta carta. No entanto, contra os ataques a aqueles que resistem o recrutamento, apoiamos os resistentes: os alunos do ensino médio que escreveram uma carta declaração recusa, os ultra-ortodoxos protestando contra a nova lei de recrutamento, os drusos que recusam e todos aqueles cuja consciência, situação pessoal ou o bem-estar econômico não lhes permitem servir. Sob o pretexto de uma conversa sobre a igualdade, essas pessoas são obrigadas a pagar o preço. Não mais.
Assinam:
Yael Even Or, Efrat Even Tzur, Tal Aberman, Klil Agassi, Ofri Ilany, Eran Efrati, Dalit Baum, Roi Basha, Liat Bolzman, Lior Ben-Eliahu, Peleg Bar-Sapir, Moran Barir, Yotam Gidron, Maya Guttman, Gal Gvili, Namer Golan, Nirith Ben Horin, Uri Gordon, Yonatan N. Gez, Bosmat Gal, Or Glicklich, Erez Garnai, Diana Dolev, Sharon Dolev, Ariel Handel, Shira Hertzanu, Erez Wohl, Imri Havivi, Gal Chen, Shir Cohen, Gal Katz, Menachem Livne, Amir Livne Bar-on, Gilad Liberman, Dafna Lichtman, Yael Meiry, Amit Meyer, Maya Michaeli, Orian Michaeli, Shira Makin, Chen Misgav, Naama Nagar, Inbal Sinai, Kela Sappir, Shachaf Polakow, Avner Fitterman, Tom Pessah, Nadav Frankovitz, Tamar Kedem, Amnon Keren, Eyal Rozenberg, Guy Ron-Gilboa, Noa Shauer, Avi Shavit, Jen Shuka, Chen Tamir
- O termo original é draft dodger (NdT).
- Judeus mizrahim, ou orientais, são aqueles judeus não-europeus, ou seja, que tem origem nos países do oriente médio (NdT).
Tradução: Maurício Sauerbronn de Moura
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