Pós-modernismo e a pseudociência que prejudica a mulher

Já tocamos no assunto aqui de como o pós-modernismo ressuscitou o feminismo reacionário, agora vamos compreender um pouco como a retórica pseudocientífica pós-modernista, iguala qualquer mitologia e charlatanismo ao conhecimento científico e acaba colocando em risco exatamente quem diz defender.

No texto a seguir, Claire Lehmann aborda como as hipóteses pós-modernas sobre gênero são prejudiciais à saúde da mulher. Clair é uma livre pensadora e psicóloga que escreve para várias publicações, como o The Guardian e o The Sydney Morning Herald  e está concluindo seu mestrado em psicologia forense.


Hipóteses pós-modernistas sobre gênero prejudicam mulheres

por Claire Lehmann

Até o ano passado, mulheres nos EUA estavam inadvertidamente tomando overdoses de pílulas para dormir. Em janeiro de 2013, a American Food and Drug Administration (FDA) ordenou que as companhias farmacêuticas cortassem as doses de Zolpidem (uma droga para insônia chamada Ambien) pela metade. Os efeitos colaterais da overdose de Zolpidem incluem pensamento debilitado, tempo de reação diminuído (na direção de veículos) e problemas alimentares. A FDA ordenou que os fabricantes providenciassem instruções de dosagem diferentes para homens e mulheres. Antes de tal decisão, as instruções para homens e mulheres eram as mesmas. Por quê? Porque ainda não sabemos o suficiente sobre como homens e mulheres metabolizam drogas de maneira diferente.

Phyllis Greenberger, CEO da Sociedade para Pesquisa sobre Saúde da Mulher nos EUA descreveu no mês passado para o Huffington Post:

“A realidade é que não sabemos se uma droga vai prejudicar as mulheres até que elas comessem a tomar.”

Estamos em 2014 e as mulheres estão sob o risco de erros biomédicos preveníveis. Como chegamos até aqui?

Primeiro, as drogas são testadas em animais antes que cheguem até testes em humanos. Os testes em animais fêmea são mais difíceis de serem realizados, devidos ao perfil hormonal mais complexo. O neurocientista Larry Cahill afirma que o nosso entendimento da neurobiologia da mulher é escasso (https://www.youtube.com/watch?v=alAq-wxdvXU). Ele afirma que 93% dos animais usados em pesquisa neurocientífica são machos, simplesmente porque é mais fácil de estudá-los. Segundo, pesquisadores de medicina e saúde, incluindo neurocientistas e psicólogos, evitam estudar diferenças sexuais por medo de serem rotulados de “sexistas”. Uma psicóloga consistentemente rotula neurocientistas que publicam trabalhos em diferenças sexuais, rejeitando os trabalhos como “neurosexismo” ou “neurolixo”. Pesquisadores que desejam carreiras livres de controvérsias evitam tais áreas de pesquisa.

No campo da medicina, doenças cardíacas, o assassino número um de mulheres na Austrália, afeta homens e mulheres de maneira diferente. Mais mulheres morrem de ataques cardíacos do que machos e fêmeas estão sob umrisco mais de sangramento depois de uma cirurgia cardíaca. O cérebro de mulheres também é mais sensível à deterioração neuronal. Isso faz com que oAlzheimer seja mais prevalente entre mulheres se comparadas com homens. Segue-se que pesquisas focando nas diferenças sexuais de homens e mulheres ao nível neuronal é um problema da saúde da mulher. Insinuar que é um nicho de interesse de “neurosexistas”, em 2014, é simplesmente repreensível.

A rejeição de pesquisas em diferenças sexuais deriva de uma hipótese falsa profundamente arraigada — que machos e fêmeas são os mesmos quando se trata de biologia. Para entendermos essa hipótese, temos que ir até Rousseau e a sua ideia de tabula rasa. A ‘tabula rasa’, em Latin, significa ‘tábua raspada’ ou para nós, que um bebê nasce sem ideias preconcebidas, que sua mente é uma página em branco. De acordo com tal hipótese, a cultura escreve sobre essas páginas em branco, moldando o indivíduo até ele conformar de acordo com normas sociais. O pensamento da tábua rasa está entre nós há muito tempo, mas alcançou seu zênite entre 1970 e 1980, quando a filosofia pós-moderna se tornou popular. O pós-moderno Michel Foucault encarou a biologia e a medicina com suspeição. Ele caracterizou instituições produtoras de conhecimento, como a clínica médica, como potenciais ferramentas de opressão. De acordo com pós-modernistas, agendas de pesquisas tradicionais eram racistas, classistas, sexistas, (as vezes não-intencionalmente).

Tais ideias tem sido incrivelmente influentes. Em muitos cursos de graduação de humanas — como estudos de Inglês ou de Gênero — estudantes aprendem que o método científico é enviesado para o fato de que “se você fizer certas perguntas você tem certas respostas”. Simplesmente pesquisar sobre diferenças sexuais reforça uma dicotomia cultural opressiva.

Hoje em dia ativistas anti-vacinação citam argumentos pós-modernistas em suas suspeitas sobre a indústria farmacêutica. A antropóloga Anna Kattaescreve:

“Manifestantes anti-vacinação fazem argumentos pós-modernos que rejeitam fatos científicos e biomédicos em favor de suas próprias interpretações. Esses discursos pós-modernos precisam ser reconhecidos antes que o diálogo comece.”

Ideias pós-modernistas são apresentadas em uma linguagem complicada. Em seu coração, no entanto, está um manifesto implícito questionando ‘binários’, dicotomias até então pensadas como auto evidentes, como masculino versus feminino, normal versus anormal, ou biologia versus cultura. Pós-modernistas nós falam que esses binários são arbitrários, que o gênero é fluído por exemplo, e ao fazerem isso ajudam muitos homens e mulheres que não se encaixam em ideias estritos de masculinidade e feminilidade a explorar o sexo e gênero com uma mente aberta.

Infelizmente, no entanto, a filosofia pós-modernista e a bagagem cultural da tabula rasa não ajudou mulheres nas áreas da medicina. De fato, nos prejudicou. Simplesmente porque há muito mais no sexo biológico do que autonomia reprodutiva. E quando se trata de testes de hipóteses biomédicas ou intervenções, nós precisamos aplicar binários. Nós precisamos testar grupos de controle contra grupos experimentais, homens contra mulheres, para eliminar ruídos e vieses, para fazermos inferências causais.

Ativistas zelosos podem argumentar que incorporar diferenças sexuais em estudos pode prover munição para aqueles que fazem generalizações sexistas sobre mulheres. No entanto nós precisamos estar cientes também da atitude desdenhosa para com as pesquisas sobre as diferenças sexuais como um binário artificial. Se pesquisas sobre diferenças sexuais são automaticamente vistas como vilãs enquanto provas de similaridade são vistas como boas, então estamos falhando no pensamento crítico. (Se Foucault tivesse visto o quão rígido seus seguidores se tornaram, ele se reviraria no túmulo).

A conclusão é que a saúde da mulher precisa ser vista com seriedade. Enquanto diferenças sexuais devem ser tratadas com ceticismo saudável (como qualquer outra agenda de pesquisa), se nós tivermos medo para fazer perguntas, terminaremos sem respostas.

 

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