O filho do general israelense que luta contra o sionismo

Hafradah (הפרדה) é o nome que os sionistas deram à sua política de, no início da ocupação das terras palestinas, criar estruturas de saúde, educação e segurança somente para judeus. Hafradah é a política oficial israelense de considerar qualquer povo que não seja judeu e branco como um ser humano de segunda classe.

A palavra hebraica literalmente significa “segregação”. Hafradah é o nome oficial do apartheid israelense, do racismo sionista.

Miko Peled é um judeu israelense, nascido e criado em Jerusalém, que luta contra essa segregação. Filho de um importante general do exército israelense e neto de um dos sionistas que assinaram a declaração de independência de Israel, Peled cresceu em um ambiente profundamente sionista, ingressando ainda jovem nas Forças Especiais do exército israelense. Horrorizado e enojado com a invasão do Líbano em 1982, abandonou o exército.

As contradições entre o discurso sionista e a prática violenta, racista e genocida do exército e do Estado de Israel, o fizeram perceber que a auto-afirmação do povo judeu não poderia ser assentada sobre pilhas de corpos de outras etnias. O racismo explícito dos sionistas contra os próprios judeus de pele escura (beta, mizrahim, bene, lemba etc.) o fez perceber que o racismo sionista era inimigo da paz entre os judeus.

Em seu livro The General’s Son: Journey of an Israeli in Palestine (O filho do general: diário de um israelense na Palestina), Peled denuncia esse racismo. Denuncia as atrocidades das forças armadas israelenses contra os vários povos que vivem na região: racismo, assassinatos, estupros, pilhagem, genocídio.

No vídeo a seguir, ele fala um pouco sobre sua luta para acabar com o Hafradah, para acabar com o racismo sionista que promove a guerra e a morte. Fala dos mitos criados pela propaganda sionista para encobrir o genocídio dos povos da Palestina.

Peled, assim como todos os livres pensadores do mundo, entende que a única solução para a região é um único país, secular e democrático, para todos os povos, sejam muçulmanos, palestinos ou judeus.



Miko Peled é um ativista da paz que ousa dizer em público aquilo que outros ainda preferem negar. Nascido em Jerusalém em 1961, numa família de sionisas bastante conhecidos.

Seu pai, Matti Peled, era um jovem oficial na guerra de 1948 e um general na guerra de 1967, quando Israel conquistou a Cisjordânia, Gaza, as colinas de Golán e do Sinai. As opiniões pouco esperadas de Miko refletem um legado de seu pai. O general Peled foi um herói de guerra que se tornou um pacifista.

É hora de acabar com alguns mitos e de destapar a verdade para que possamos finalmente viver em paz juntos. Portanto, os três mitos que eu gostaria de destapar, provavelmente, os três mitos mais populares, os três mitos mais comuns: o mito de 1948 (o mito que dizia que havia um país sem povo), o mito das ameaças existenciais em 1967 e, por fim, o mito da “democracia israelense”.

Ao crescermos, nos ensinaram a crer que os árabes tinham abandonado Israel, em parte por sua própria conta e em parte por orientação de seus pretensos líderes. E, portanto, tomar suas terras e tomar suas casas era moralmente válido. Nunca nos veio à mente que, mesmo que eles tivessem saído voluntariamente, nós não tínhamos nenhum direito de proibir a sua volta.

Mas, depois, historiadores israelenses descobriram aquilo que os palestinos diziam já décadas: nada disso era verdadeiro.

É interessante notar que quando os palestinos alegam algo, temos a tendência de colocá-lo em dúvida. Mas quando historiadores israelenses aparecem e dizem exatamente a mesma coisa, aí, então, nós a aceitamos. É como que só a palavra dos palestinos não bastasse.

Portanto, historiadores israelenses confirmaram que Israel foi construída sobre as ruínas da Palestina.

Bem, obviamente, a Palestina não era ainda um Estado naquela época. Estamos falando de 1948. Mas teria se tornado um Estado em pouco tempo, se não tivesse sido completamente destruída.

Havia cidades movimentadas, havia uma classe média, havia profissões e comércio. Os palestinos tinham juízes, acadêmicos, uma vida política rica. Eles tinham todas as características para ter um Estado. Mas uma das coisas na qual eles não investiram, uma coisa que os palestinos não tinham eram forças militares. Não tinham nenhum tipo de milícia.

Assim que, quando as milícias judaicas atacaram, ainda que os palestinos se constituíssem na vasta maioria da população, quando as milícias judaicas atacaram, eles estavam indefesos.

Por outro lado, os judeus da Palestina naquele tempo eram uma minoria, provavelmente menos de meio milhão, mas eles tinham organizado instituições para-estatais. Assim, tinham suas próprias escolas, eles tinham seu sistema de saúde universal próprio, por exemplo, tinham um “quase” governo do qual meu avô era membro, e tudo isso foi criado com base no princípio do “hafradah”, que quer dizer “segregação” em hebraico. Em outras palavras, para serem completamente separadas de todas as instituições que os palestinos tinham.

E uma das coisas na qual eles investiram pesadamente foi uma milícia muito forte. Uma milícia de jovens bem doutrinados, bem treinada, da qual meu pai era membro. E eles estavam determinados a criar um Estado judeu na Palestina, desconsiderando por completo o fato de que a maioria da população não era de judeus, e sim de palestinos árabes.

Ocorre que a criação de Israel não foi, afinal, uma guerra fortuita na qual os árabes fugiram de suas casas devido às orientações de seus próprios líderes, e sim uma campanha sistemática, não provocada, de limpeza étnica por parte das milícias judaicas envolvendo massacres, terrorismo e a pilhagem por atacado de toda uma nação.

É interessante, minha mãe nasceu e foi criada em Jerusalém – ela nasceu em 1926 – e ela se lembra das vizinhanças palestinas em Jerusalém ocidental. E quando os moradores dessas vizinhanças foram obrigados a partir, suas moradias, que ainda estão em Jerusalém, suas lindas e espaçosas casas, com lindos jardins, foram oferecidas a famílias judaicas. E uma dessas residências foi oferecida a ela, por ser a esposa de um oficial, etc. E ela não aceitou. Ela disse que não poderia se mudar para a casa de uma família que foi forçada a abandoná-la e que agora está vivendo num campo de refugiados.

Ela também disse, e ouvi a confirmação disso de muitas pessoas, que quando as milícias judaicas chegaram às casas, o café ainda estava quente na mesa. As pessoas tinham acabado de sair.

E então a pilhagem começou. E, de novo, ela se recorda de ver os caminhões com móveis, tapetes e tudo o mais, sendo levados daquelas casas.

Um outro mito sionista amplamente aceito é que em 1967 Israel enfrentava uma ameaça existencial, na qual os exércitos de três países árabes estavam invadindo e milagrosamente o exército judaico foi capaz de derrotar a todos eles e conquistar porções de terras enormes, enormes.

Bem, deixando de lado por um momento o fato de que inúmeros livros foram escritos em hebraico, em inglês, em árabe e outras línguas e que documentários foram filmados desmentindo isso por completo, e provando que a guerra tinha o propósito de conquista, em minha própria pesuisa de preparação para este livro, eu passei dias e dias nos arquivos militares israelenses, e eu li as minutas das reuniões do Estado Maior israelense, da cúpula da IDF, dos altos escalões, em as coisas que eram ditas durante essas reuniões. E, mais uma vez, quero citar de meu livro uma dessas passagens:

Numa tormentosa reunião da alta cúpula da IDF com o governo israelense, ocorrida em 2 de julho de 1967, meu pai, general Matti Peled, disse aos ministros em termos muito claros que os egípcios precisavam de pelo menos um ano e meio para estarem preparados para uma guerra em escala integral. Sua opinião era que a hora de desferir um golpe devastador contr ao exército egípcio era agora.

Não por causa de uma ameaça existencial, mas porque o exército egípcio não estava preparado e era uma oportunidade para destruí-lo mais uma vez.

Os outros generais concordaram, mas o governo estava hesitando. O Primeiro Ministro não estava seguro de que a guerra em escala integral fosse a coisa certa a fazer e um braço de ferro de proporções inimagináveis teve lugar. Durante aquela mesma tormentosa reunião, meu pai disse ao Primeiro Ministro: “O Presidente Nasser” – referindo-se ao Presidente egípcio Abdal Nasser – “está avançando com um exército mal preparado porque ele conta que o governo esteja hesitante. Ele está convencido de que nós não vamos atacar. Sua hesitação está dando vantagem a ele”.

Mais tarde, ele acusou o Primeiro Ministro de insultar o exército – este exército que nunca perdeu uma batalha – ao não permitir que o exército atacasse imediatamente.

Assim, nunca houve nenhuma menção sobre uma ameaça existencial. Apenas uma oportunidade para uma vez mais desferir um araque israelense. Ao final, o governo sucumbiu à enorme pressão feita sobre ele pelos generais e eles decidiram fazer um araque preventivo que iniciou em 6 de junho de 1967.

Novamente quero citar do meu livro:

O ataque de surpresa causou a destruição total da força aérea egípcia, a dizimação do exército egípcio e a reconquista da Faixa de Gaza e da Península do Sinai em questão de dias.

O exército israelense também sabia que o exército sírio estava em frangalhos e que os jordanianos não eram páreo para o ataque da IDF.

Após a campanha contra o Egito ter sido tão fácil, os generais dirigiram sua atenção para a Cisjordânia e as colinas de Golán, duas regiões que Israel cobiçava há muitos anos. Ambas regiões tinham recursos hídricos estratégicos e colinas que contemplava o território israelense. E a Cisjordânia continha o coração da terra bíblica de Israel e a jóia da coroa, a velha cidade de Jerusalém.

Em seis dias estava tudo acabado. As baixas árabes foram estimadas em 15.000. Ou seja, 15 mi mortos em seis dias. As baixas de Israel foram 700 e o território controlado por Israel quase triplicou de tamanho.

Israel tinha em sua posse não apenas as terras e os recursos que há muito desejava, mas também o maior estoque de armas russas fora da Rússia. Israel tinha novamente se reafirmado como a principal potência regional. Ou como o valentão da vizinhança.

Bem, aqui ocorre algo de imensa proporção e deve-se levar em conta que foi há mais de quatro décadas. E, de novo, eu cito:

Na primeira reunião semanal do Alto Mando após a Guerra dos Seis Dias, o chefe do Estado Maior, Yitzhak Rabin, irradiava a glória da vitória. Mas quando a reunião quase chegava a seu final, meu pai ergueu sua mão. Quando foi chamado, ele falou sobre a oportunidade única que a vitória oferecia, para resolver o problema palestino de uma vez por todas. Pela primeira vez, disse ele, na história de Israel, nós estamos cara a cara com os palestinos sem outros árabes entre nós. Agora nós temos a chance de oferecer-lhes um Estado na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Ele alegou com convicção que permanecer com a Cisjordânia e o povo que vive lá era contrário à estratégia israelense de longo prazo. A resistência popular contra a ocupação certamente surgiria e o exército israelense seria usado para esmagar aquela resistência, com resultados desastrosos e desmoralizantes. Isso tornaria o Estado Judaico uma brutal força de ocupação e, em algum momento, um Estado bi-nacional.

E esta é precisamente a realidade que vivemos hoje, quatro décadas e meia depois daquilo.

Então, será que alguém seriamente espera que 5 milhões de palestinos continuarão vivendo sob um regime que é democrático para os judeus, mas brutalmente opressivo para os palestinos?

Somos cerca de seis milhões de judeus e cerca de cinco ou cinco e meio milhões de palestinos, vivendo sob o mesmo controle, o mesmo governo, mas com leis diferentes.

Meu pai, que era expert em questões militares, passou o resto de sua vida, após retirar-se do serviço militar, lutando por justiça para a causa palestina. E por ter sido militar, frequentemente lhe perguntavam sobre o terrorismo palestino. Numa dessas ocasiões, ao ser entrevistado pela televisão de Israel, ele disse o seguinte sobre o terrorismo: “O terrorismo é uma coisa terrível, mas o fato é que quando uma pequena nação é dominada por um poder maior, o terrorismo é o único meio a sua disposição”.

Todas as previsões do meu pai se concretizaram. Apesar do papel do lobby pró-Israel nos Estados Unidos, mais e mais gente pelo mundo afora está se dando conta que de fato há duas nações vivendo entre o Rio Jordão e o Mediterrâneo e que as condições em que os palestinos vivem são completamente inaceitáveis.

Recentemente tivemos um evento aqui em San Diego que era uma vigília para recordar os mortos pelo exército de Israel no ataque a Gaza. E quando essa vigília se desenvolvia havia um grande contingente de apoiadores de Israel. Nós estávamos separados deles por uma linha de policiais e pelo que eu considero um sentido de moralidade. E eles estavam dançando e cantando, enquanto que nós que estávamos na vigília tentávamos recordar os nomes de 1.400 pessoas que tinham sido assassinadas.

Aquelas foram três semanas de tanta morte e destruição que a gente mal pode compreender. E eu me lembro da história dos pilotos da Força Aérea de Israel que voavam missão após missão lançando centenas de toneladas de bombas sobre a população civil em Gaza e depois voltavam para casa para celebrar o Festival de Hanukkah. Porque os ataques a Gaza, no final de 2008, ocorreram durante o festival judaico do Hanukkah. Logo, os mesmos pilotos, tendo celebrado com suas famílias, descansado em camas confortáveis, levantaram-se no dia seguinte e voltaram a fazê-lo de novo, de novo e de novo.

Eu me lembro que enquanto mantínhamos a vigília, os apoiadores de Israel portavam cartazes que diziam que o exército israelense os tinha alertado. Que o exército israelense tinha lançado milhares de folhetos alertando os palestinos de que esse horror já ia começar. E mal posso imaginar uma mãe ao ver esses alertas, sabendo que esse horror estava a caminho, mas sabendo também que não havia para onde ir. Não há para onde correr, não há onde se esconder, não há onde salvar seus filhos das bombas, do fogo, da fumaça e dos químicos e do fósforo que consome a carne e não se extingue.

Porque Gaza está bloqueada.

Gaza está sitiada. Um bloqueio imposto por Israel sobre a população de Gaza.

Assim que, para esses jovens pilotos de Israel, esses jovens que a maioria dos israelenses e os apoiadores de Israel pelo mundo consideram a nata, isso não era nada diferente de disparar contra peixes num aquário.

Ao começar seu impiedoso massacre exatamente às 11h25 da manhã, em 27 de dezembro de 2008. E essa data, 27 de dezembro de 2008, vai ficar para sempre em nossa memória como o dia mais escuro e mais vergonhoso na História do povo judeu, pois Israel começou um ataque impiedoso e vergonhoso contra o povo de Gaza.

Os ataques começaram às 11h25 da manhã, exatamente a hora em que as crianças de Gaza estavam nas ruas. Entre 11h e 11h30, as crianças de Gaza estão ou a caminho da escola ou voltando para casa da escola, pois essa é a hora em que os dois turnos escolares do dia se alternam.

Agora, os apoiadores de Israel que vêm às vigílias, que sempre mantém que eles apoiam a brutalidade de Israel, sua alegação é que Israel tem o direito de se defender, que as ações de Israel eram justificadas porque Israel estava se defendendo do lançamento de petardos que estavam sendo disparados contra Israel por militantes do Hamas a partir de Gaza. Milhares e milhares de petardos que foram preparados para causar danos aos cidadãos israelenses.

Bem, eu sei uma ou duas coisas sobre esses petardos. Eu me lembro de ter visto, num sábado à tarde, com minha família e meus filhos, num kibutz a pouca distância de Gaza, e em certo ponto, nós vimos aqueles petardos voando por sobre nossas cabeças. E nós ouvimos as sirenes e os avisos de alerta. Todos tivemos de correr para as salas de proteção construídas para isso. E foi assustador. Tanto que, apenas em dezembro passado eu visitei novamente aquele kibutz e um petardo Qassam tinha caído próximo ao jardim de infância, dentro do kibutz, quando as crianças estavam presentes e lá fora.

Havia estilhaços de vidro por todo lado, algumas crianças estavam feridas, sangrando. Algumas crianças tiveram que ser hospitalizadas, algumas estavam em choque.

Foi horrível.

Eu fui ver o buraco no chão gerado pelo petardo do tamanho de uma bola de futebol. E então eu me lembrei do que se parece uma cratera gerada por uma bomba de uma tonelada. É do tamanho de um quarteirão de uma cidade. As crianças não ficam arranhadas e não ficam em choque como resultado daquilo. Elas são dizimadas. Elas são queimadas. Elas são incineradas nas brasas e são enterradas nos escombros. E agora, multiplique isso por cem, e novamente, e novamente e lembre-se, ou tenha em mente, que Gaza é uma das áreas mais densamente povoadas do mundo.

Mesmo assim, os apoiadores de Israel justificam isso.

Muitos judeus se lembram da história do Livro da Gênese, capítulo 18, quando Deus decide destruir a cidade de Sodoma, porque eles eram pecadores, e o Patriarca Abraão, que é patriarca tanto dos judeus como dos árabes, questiona a Deus e lhe pergunta: “Você vai destruir tanto o justo quanto o perverso? Talvez haja uns 50 justos na cidade”. Aí vemos a Abraão questionando a Deus. E Deus promete que se ele encontrar 50 pessoas justas ele poupará a cidade. Bem, em Israel hoje não há nenhum Abraão. E nenhum palestino é justo aos olhos dos israelenses. E, como sabemos, 800 crianças de Gaza não foram poupadas desse horror.

Com frequencia eu sou acusado de só defender um lado e de não mencionar o terrorismo palestino e o sofrimento pelo qual os israelenses tem de passar. Assim, vou tratar disso agora mesmo.

Com meu pai tinha dito décadas atrás, quando uma potência maior domina uma nação menor, algum tipo de resistência violenta deve ser esperada. Quanto à experiência de minha própria família com o terrorismo, em nosso caso, isso levou a todos nós a engajar-nos com os palestinos e a estender as mãos. E o mesmo aconteceu pessoalmente comigo.

E mais uma vez quero citar uma passagem do meu livro O Filho do General:

Então, no outono de 1997, um desastre. Minha sobrinha Smadar foi morta por homens bomba palestinos em Jerusalém. Várias horas depois, lá estávamos nós, dirigindo-nos ao cemitério pela autopista. A polícia escoltava em motocicletas a nossa procissão, abrindo caminho para os furgões que levavam os membros da família devastada de uma outra baixa judaica. Ao sairmos do furgão, alguém se aproximou e me pediu que carregasse o pequeno caixão. Meu coração se sentiu muito mais pesado do que o comovente peso leve sobre meus ombros.

Israelenses e palestinos, familiares e amigos, líderes famosos e gente comum, todos vieram prestar condoências e expressar seus sentimentos por esta indescritível perda. Minha sobrinha Smadar foi deitada junto a meu pai, seu avô, no pequeno cemitério da colina próximo a Jerusalém. Até hoje minha irmã Nurit não consegue se perdoar por ter deixado sua garotinha lá fora, sozinha, no chão frio e úmido.

Quando minha irmã saiu para cumprimentar as pessoas, os milhares que vieram para o luto, ela não pediu retaliação. Ela não falou de vingança. As primeiras palavras que saíram de sua boca foram as seguintes: “nenhuma mãe real quer que o mesmo horror ocorra para outra mãe”. E vou citar novamente o livro:

“Eu fiquei em Jerusalém nessa semana de Shiva. Nos sete dias de luto. Não foi fácil voltar para casa e retomar a rotina depois de ele ter terminado. Como alguém pode fazer isso? Fiquei pensando comigo mesma. Como alguém pode continuar vivendo como se nada tivesse acontecido? Quantas canções foram cantadas, poemas lidos e histórias escritas sobre este sentimento – o sentimento que se tem quando o inimagiável ocorre e ainda assim o mundo não acaba? Parecia impossível continuar. Mas minha mãe sempre dizia que a vida é mais fote que a morte. E assim, a gente seguiu adiante.”

Mas algo tinha mudado. E sabia que tinha de fazer algo, e que a coisa certa a fazer era encontrar-me com os palestinos. Eu fiz isto bem aqui, em San Diego. E eu fui bem recebido com um caloros abraço pela comunidade palestina local.

A experiência de encontrar-me com palestinos foi reconfortante, foi libertadora, mas também foi arrebatadoramente difícil. Foi reconfortante saber que nós todos somos muito semelhantes. É libertador saber que nós não precisamos ser inimigos. Mas foi arrebatadoramente difícil que eu me desse conta de que não possuía toda a verdade. E é por isso que eu creio que os apoiadores de Israel, em sua maioria judeus, estão – e isto é o que creio ser o mais anormal – e eu penso que é hora de os judeus israelenses e judeus estadunidenses se unirem a aquilo que foi muito eloquentemente descrito por Clovis Maqsoud como A Constituição da Consciência.

A gente só pode imaginar aquilo pelo que os sul-africanos brancos passaram quando se deram conta de que o Apartheid estava chegando ao fim. Certamente eles queriam manter seu estilo de vida, por mais corrupto que tivesse sido. Os brancos nos estados do sul provavelmente estavam tentando se manter tanto quanto pudessem quando viram que a segregação legal, a discriminação e o racismo estavam chegando ao fim neste país.

A gente vê agora esses líderes do Oriente Médio segurando-se até o último minuto, não desejando abandonar seu estilo de vida e seu controle. E os sionistas em Israel e no resto do mundo estão fazendo o mesmo. Tentando se manter.

A gente vê tiranos brutais esses dias, da Líbia aos Estados do Golfo fazendo o mesmo, ainda que eles caiam um a um. Agora os sionistas e seus apoiadores fazem o mesmo, aferrando-se à noção de que um regime racista pode durar, que a injustiça e o horror podem durar, e que os crimes contra os outros que são diferentes podem ficar impunes.

Mas estamos perto do fim. O sonho sionista de um Estado etnicamente homogêneo foi estilhaçado pelos próprios sionistas com sua insaciável fome de terra. Com suas próprias mãos, eles criaram um Estado bi-nacional, onde quase a metade da população não é de judeus ou israelenses, mas árabes palestinos.

É certo que eles não tem direitos, é verdade que eles não são tomados em conta, mas isso vai chegar ao fim muito antes do que muita gente pensa.

Creio que é correto dizer que o movimento de resistência não violenta da Palestina vai prevalecer. Temos israelenses e palestinos de mãos dadas, marchando cada semana em Bil’in, em Ni’ilin, em Nabi Saleh, em Beit-Umar, em Maasara, em Shech Jerrakh, em Silwan e em outros lugares.

Eles enfrentam as forças brutas do exército israelense toda semana, mas eles são dedicados e vão prevalecer. E a dedicação dessa gente é a razão pela qual pessoas como eu, que creem na justiça e na democracia, são otimistas.

Em Nabi Saleh, um outro lindo lugar na Cisjordânia, onde os colonos deixaram suas feias marcas, os reservistas israelenses, desajeitados e armados até os dentes, se deparam com a indubitável coragem de mães com seus filhos, que tão somente querem ver os colonos e o exército fora de suas aldeias, fora de suas vidas. Parece surpreender que os soldados israelenses, rapazes e moças jovens, que foram criados no que aparentemente seria uma sociedade democrática, estejam dispostos a colocar em prática esta ocupação brutal. Porque eles o fazem com muita disposição e com muita brutalidade. Mas a gente precisa levar em conta que o sistema educacional sionista ensinou a esses homens e mulheres jovens que a vida de um palestino não vale nada.

Então, para aquelas pessoas que querem se associar a Israel e ao sionismo, e envolver-se na bandeira sionista, uma bandeira que simboliza intolerância, ódio, racismo e brutalidade, eles podem fazer isso livremente, mas precisam saber isto: que quando os julgamentos começarem e os tribunais assumirem seus postos, e quando o Comitê de Trégua e Reconciliação começar seu trabalho, e eles finalmente tiverem vergonha de admitir que estavam errados, eles precisam se lembrar de ajoelharem e implorar o perdão do povo que eles tão descaradamente maltrataram. Porque eles precisam levar em conta que nós nunca os esqueceremos. E que a consciência nunca deixará que eles esqueçam que eles apoiaram a matança, se enrolaram na bandeira e zombaram dos despojados.

O resto de nós seguirá adiante e, com o resto do Oriente Médio, seguiremos o exemplo do povo do Egito, para criar algo que certamente será uma tremenda conquista: um Estado secular e democrático em nossa pátrica compartilhada. Um Estado onde muçulmanos, cristãos e judeus vivam como iguais e eduquem seus filhos a amar sua pátria diversificada com sua miríade de culturas, sua rica história e seu futuro promissor.

2 pensamentos sobre “O filho do general israelense que luta contra o sionismo

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